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QUATRO PATAS

QUATRO PATAS



ZARCILLO BARBOSA
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Os cães assumiram tanta importância na vida da gente que viraram um negócio de R$ 25 bilhões anuais. O Brasil é o segundo mercado do mundo em venda de rações, xampus, brinquedos, venda de filhotes, gastos com veterinários e medicamentos.

Quando ando pelas ruas do meu bairro, tomo o cuidado de pisar no cocô com o pé direito. Dizem que dá sorte. Temos 53 milhões de cães de estimação, atrás apenas dos Estados Unidos. Só em casa, até há pouco tempo, colaborava com quatro bichos de pelo para essa estatística. Pena que o Juquinha tenha morrido. Velhinho, viveu mais de 17 anos. No último ano tinha que tomar soro todos os dias, e remédios para o coração.  Sua mãe humana fez de tudo para que ele sobrevivesse. O cãozinho mordia ao recusar o remédio e até mesmo o peito de frango desfiado, dado na boca.

Quando morreu, no Hospital Veterinário, lá em casa repudiaram a recomendação de mandar incinerar o corpo do Juquinha. Optaram por enterrá-lo em uma sepultura coberta de grandes pedras brancas, ao pé de uma roseira. Na cabeceira a figura de um Poodle branco, como ele foi, segurando nos dentes uma plaquinha com a palavra PAZ.

Juquinha eternizado no meu escritório

Sobraram outros três Lhasa-apso, tratados como membros proeminentes da família. Só assim para entender o porquê da minha mulher conversar mais com eles do que comigo. Mesmo quando estamos viajando, ela imagina diálogos com os cachorros ausentes. Troca o tom de voz por outro mais aflautado. Como se estivesse se dirigindo a uma criança de colo.

Procurei ouvir um psicólogo, “especialista em comportamento animal”. É o que dizia o seu cartão. Segundo ele, o cão é um bebê eterno: nunca vai se tornar independente e sair de casa.

A Júlia tem um brinquedinho de borracha que ela insiste em enfiar debaixo do sofá, só para que eu tenha que me ajoelhar para pescar o objeto. Enquanto não fizer esse resgate ela não para de reclamar e de arranhar o móvel.

Wladimir sofre de terríveis flatulências. Toma lactobacilos vivos para melhorar a flora intestinal. Mas, não adianta. O pior é que as visitas não acreditam que é ele o produtor do cheiro penetrante. Ao sentir o ar empesteado eu grito: “Wla-de-mir!”. O visitante me olha de esguelha. Como se eu é que estivesse disfarçando.

Cachorros não são somente “membros da família”. Eles mandam na casa. Seria importante um curso de comunicação para entender os cães. Soube do caso de um Rotweiller que resolveu permitir a entrada dos donos somente pela porta do quintal. A passagem pela porta social só é permitida em dias especiais. Para o cão. Quando os humanos recebem visitas de parentes tem que ensiná-los a, primeiro, cumprimentar o bicho. Se cumprimentarem o dono antes, o cão ataca. Ah, e também não precisa se despedir porque ele detesta a palavra “tchau”.  Há o caso do marido que, se o cachorro estiver na cama do casal, com a mulher, tem que chegar disfarçadamente, sentar de costas e deitar virado para a parede para não ser atacado.

O psicólogo me alertou que eles entram em depressão por causa da ausência prolongada dos donos. Isso nos exclui do convívio social. Quando minha mulher viaja, eu fico com as “crianças”. Este ano fui, sozinho, visitar minha irmã. Minha mulher me liga dizendo que a Julia permanecia o tempo todo na janela à minha espera. Bateu aquela dor na consciência e resolvi voltar.

E eu que pensei que o bicho-homem fosse o mais complicado.



Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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