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A GUERRA DAS NARRATIVAS

A GUERRA DAS NARRATIVAS


ZARCILLO BARBOSA



A palavra “narrativa”, tem sido empregada de uma maneira repetitiva nos meios políticos, transformada, no seu verdadeiro significado, como se fosse uma “verdade paralela”, um subterfúgio ou interpretação para se construir uma nova versão.


Os bolsonaristas se utilizam muito do termo, para se livrarem das críticas ao governo. Como se tudo fosse obra de ficção criada pelo imaginário dos oposicionistas, ou da mídia inimiga. Os depoimentos e conclusões da CPI das vacinas, com denúncias de corrupções tentadas ou de omissões consumadas, seriam meras narrativas para enganar a opinião pública.


Narrativa, originalmente, é o relato ou história narrada por alguém de forma fiel, pelo menos.


Tudo começou com uma enganação no tempo das cavernas. O grupo de homo sapiens sapiens, acocorado em torno da fogueira, ouviu a narrativa do menino que chegou fingindo-se amedrontado e contou ter sido perseguido por um lobo. A comunidade saiu atrás da fera, mas não encontrou sequer as pegadas na neve. Descobriu que, como toda criança desde os primórdios, ela só queria chamar a atenção dos adultos.


Dias depois, realmente ameaçado pelo lobo, o menino berrou por socorro mas ninguém se preocupou, achando que era mais uma mentira, um falso alarme. Nabocov ensinava  que essa narrativa, repetida de geração em geração com o seu final conhecido, deu início à literatura. Novela, conto, romance, crônica e fábulas são formas de narrativa onde se sobressaem a criatividade e o estilo do autor, mais que o conteúdo. Informação factual, é outra coisa.


Atualmente, a partir dos políticos, narrativa virou sinônimo de bizarrice. Principalmente quando não têm o que defender no contexto. Apelam para o uso do termo, como se estivessem promovendo a melhor das argumentações.


Tempos estranhos. A falta de conteúdo leva a argumentos rasos, à verborragia excessiva e, por conseguinte, doentia.


O filósofo alemão Walter Benjamin, em seu ensaio “O Narrador”, procurou fazer uma análise histórico-sociológica da narrativa pura do povo “contador de causos”, e do seu papel social.


As histórias orais, por serem obras inacabadas e coletivas, têm o poder de acumular em si o “imaginário social” de quem as conta. A era da informação é a ameaça que coloca essa tradição em cheque. Com a dinâmica rápida e efêmera da informação nos tempos modernos, as narrativas mais curtas e de fácil consumo são as que sobrevivem.


Nas redes sociais, o chamado “textão”, como este, nasce moribundo. Vivemos num país ágrafo (sem grafia).


Benjamin também alertava para a valorização do protagonista em detrimento da verdade factual.


Detonar o teto fiscal e desorganizar a economia são meras narrativas dos “comunistas e corruptos” que não querem que o governo cumpra seu compromisso social. O bolsonarismo empoderou o homem médio conservador que nunca se sentiu viabilizado pela grande política, e hoje se vê reconhecido pela ideologia do “mito”. É a exaltação da masculinidade, da branquitude, da direita.


Quem sabe a gente cresça, culturalmente, a ponto de substituir essa concepção exótica de narrativa pela pensata (penso + ata) dos italianos, ou os position paper dos ingleses: exposição lógica e reflexiva. Última tentativa de se parar de passar batom em porco.

Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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