
CRÔNICA DE MILÃO
ZARCILLO BARBOSA
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Italiano que não gesticula é porque está morto. As palavras nunca são suficientes para os italianos se comunicarem.
Todos eles abusam da gesticulação.
Pela Galeria Victorio Emanuelle, em Milão, passam milhares de pessoas do mundo inteiro, atraídas pelas lojas de grife e preços astronômicos. Os italianos são facilmente reconhecíveis porque adoram contatos físicos. Caminham com a mão no ombro do companheiro. Quando um deles junta todos os dedos da mão direita no pescoço, meu amigo Ruperto traduz: “não estou nem aí”. Outro bate a mão direita espalmada no meio do braço esquerdo (vai a farti fottere), ou seja, vá se foder.
Nas ruas do centro de Milão a gente vê muitos paqueradores. Engraçado… a cantada do milanês é visual, não-verbal: ele foca a vítima com um olhar quarenta-e-três, dá um sorriso safado e acaricia o queixo.
Na Galeria, outro tipo de espetáculo é dado pelos turistas. Mesmo com o véu islâmico, a moça árabe faz questão de pisar com o calcanhar do pé direito o testículo do touro, representado no chão por um bonito mosaico bizantino. Reza a tradição que dá sorte dar três voltinhas com o salto do sapato no coglione taurino.
A Catedral de Milão, que eles chamam de Duomo (Casa de Deus), fica do outro lado da Galeria. Muito bem conservada. Exemplo de arquitetura gótica, com a fachada de mármore rosa (foto em destaque).
Das suas 3.400 esculturas, a mais perturbadora é a de São Bartolomeu, obra do renascentista Marco d’Agrate, de 1562. O apóstolo foi esfolado vivo quando pregava na Armênia. A imagem mostra detalhes anatômicos da figura humana esfolada. Em carne viva, com partes cobertas por um manto, que é a sua própria pele.
No teto da Capela Sistina, no Vaticano, Michelangelo reproduziu São Bartolomeu cavalgando uma nuvem, em Juízo Final, segurando a própria pele dissecada. A pele do rosto é a própria cara de Michelangelo.
Pedi ao santo proteção para a família e para o meu amigo dr. Bartholomeu, que me salvou de duas cirurgias, como ortopedista. Por ser xará do santo, deve ter seus privilégios.
Subi ao teto da Catedral, com sua floresta de torres de mármore. Numa das agulhas está a Madonnina d´Oro, estátua dourada da virgem que é a protetora de Milão. Lá de cima, vela por toda a cidade e seus habitantes. Luchino Visconti filmou cenas antológicas nesse local, em “Rocco e seus Irmãos”. Alain Delon e Annie Girardot se lambuzam de beijos sob o olhar da Madonnina. O filme é sobre a dura adaptação dos italianos do Sul, pobre, na rica Milão. Como os nordestinos em São Paulo.
Na saída, na rua lateral do Duomo, entro na fila para comprar o panzerotto do Luini, uma padaria do século 19. Só tem duas portas e nenhuma mesa. Parece um pastel, mas a massa é diferente. Diria que é um rissole grande, com mozzarella e tomate ou salame picante. Fui comer o lanche com a Eliane na pracinha da Igreja San Fidele, cem metros adiante.

Zuleika Lemos Gonsalves
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