Topo

VIDA LONGA AO PRESIDENTE

VIDA LONGA AO PRESIDENTE

ZARCILLO BARBOSA



Um dos principais articulistas e membro do Conselho Editorial da Folha Hélio Schwartzman, chocou seus leitores ao escrever sob o título “Por que torço para o Bolsonaro morrer”. Procura justificativa na ética do “imperativo categórico” refletida pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804). A bússola moral a seguir seria a razão pura e simples, despida de sentimentos religiosos ou emocionais.


O exemplo clássico, para vulgarizar o pensamento kantiano, é a do ferroviário que recebe o aviso da disparada de um trem sem freios. Se a composição prosseguir na linha mestra irá chocar-se com outros vagões lotados de passageiros e muitos irão morrer. O guarda-linhas move a alavanca do desvio e o comboio choca-se com um cargueiro tripulado unicamente pelo maquinista e seu foguista.


Embora o jornalista que torce pela morte do presidente da República não tenha movido nenhuma alavanca, desejar o mal a alguém é condenado desde o Código de Hamurabi, há 3.800 anos. No íntimo, costumamos esconder certo sentimento de satisfação perante o dano ou infortúnio de alguém. Os alemães têm uma palavra, schadenfreud, que traduz esse que seria o oitavo pecado capital, o do desejo oculto, esse algo dentro de você, a imaginação incontida.


Freud mostra influência do Id (aquele algo em mim) que nos faz fazer besteiras. “Nós somos como um cavaleiro montado: pensamos ter as rédeas na mão, mas às vezes o cavalo tem ideias próprias e nos leva a lugares surpreendentes”.


Longe querer justificar o jornalista, autor de conteúdos interessantes. Teve seu dia de tonteira, como qualquer de nós. Deixou aflorar o seu schadenfreud.  Assim como o próprio Bolsonaro, que torceu pela morte de Dilma “infartada ou com câncer”; que defendeu o fuzilamento de FHC; que não escondeu o seu desejo de “fuzilar a petralhada”. Nos seus momentos mais amargos, o presidente criticou a ditadura militar por ter somete “torturado”, quando deveria é ter matado os comunistas.


Vivemos o insólito. Culpa da pandemia, do novo normal, do distanciamento social, sei lá. Morrem 1.200 pessoas de Covid 19, todos os dias, e o presidente é o primeiro a desobedecer às precauções sanitárias de uso de máscara. Quem deveria liderar a nação a enfrentar o pior momento da sua história, não demonstra sentimentos em relação às vítimas da tragédia. Em vez de procurar proteger a população, socorrer as empresas da crise econômica, o presidente se preocupa em facilitar às pessoas se armarem. Diminui a possibilidade de punição para os delitos de trânsito.  Se os nossos netos perguntarem, no futuro, que presidente foi esse, os sobreviventes terão dificuldades para explicar.


O realismo fantasmagórico deste governo é o mesmo que levou um ex-ministro da Educação, investigado por racismo e por ameaças às instituições democráticas, a ser indicado para diretor do Banco Mundial. O ministro do Meio Ambiente é aliado de desmatadores, o presidente da Fundação Palmares ofende Zumbi; a ministra da Mulher acredita que as mulheres devem se submeter aos maridos; o ministro das Relações Exteriores destrata países que são nossos principais parceiros comerciais e o ministro da Justiça acha que o presidente é um profeta. Sem falar nesse outro fenômeno, o advogado Frederico Wassef, que defendia o próprio presidente e seu filho Flávio Bolsonaro: diz que escondeu Queiroz “para proteger o presidente da República”.


“Que dá vontade, dá”. Devem assim pensar milhões de pessoas nesse triste momento da vida. Mas não podemos, e não devemos desejar o mal a ninguém. “Perdoai os nossos devedores”.


Mesmo com o #forçacovid do tal “gabinete do ódio”, uma vez eleito presidente, a única coisa a fazer é esperar a boiada passar. Que o presidente tenha sim, vida longa, para responder pelos seus equívocos quando chamado a prestar contas à História.

Zarcillo Barbosa é jornalista

proximarota
Sem comentários

Escreva seu comentário

Copy Protected by Chetan's WP-Copyprotect.