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TRATORIA, OSTERIA E TUTTI QUANTI

TRATORIA, OSTERIA E TUTTI QUANTI

ZARCILLO BARBOSA
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Convidado para almoçar numa trattoria de São Paulo, acabei em uma osteria por causa da longa fila de espera. Perguntei ao meu anfitrião qual a diferença entre trattoria e osteria. Ele riu da minha ignorância. Mas, não soube me explicar.


Para ele, o que importa é se a comida é boa, seja qual for a denominação da casa. Além do mais, a despesa seria da sua responsabilidade.


O fuzzili com bracciola, realmente, estava acima de qualquer reclamação. Mas não me conformei com o pragmatismo do meu amigo. Para mim, os detalhes valem muito. Essas coisinhas de almanaque.


Há muito anos, quando viajava de carro com o Marco Brisola, outro virginiano perfeccionista e hoje no céu, decidimos checar os exatos significados de “limite”, “divisa” e “fronteira”.


Estávamos em trânsito pelo Piemonte, nos Alpes italianos, e decidi comprar um dicionário em Turim – evidentemente em italiano. Limite é a linha que separa cidades; divisa, os estados; e, fronteira, os países. Simples assim.


Jantamos em muitas osterias e trattorias do Bepo, do Piolla, do Rogmanolli sem nos preocupar com suas diferenças, a não ser com a conta.


Na Itália a comida é pouca e cara. O garçom chega rente à mesa e anuncia o “primo piato”, como se estivesse no palco de uma ópera. A bruschetta se resumia numa fatia de pão, uma fatia de tomate e uma folha de rúcula.


Quando você pensa que vai forrar o estômago no “secondo piato”, proclamado com voz de tenor, a lasagne alla bolognese é só um quadradinho perdido no meio da louça branca.


Foi justamente naquele, hoje surrado dicionário italiano, que fui procurar o significado exato das denominações diferentes para essas casas de pasto populares. Segundo entendi, osteria é a forma mais simples de um estabelecimento que serve refeições – a mãe fica na cozinha, o pai no caixa e os filhos atendem o salão.


Já a tattoria é a osteria que progrediu – pode ter cozinheiro contratado, mas as receitas são da família.  E o ristorante já tem uma equipe toda profissionalizada.


Claro que o preço sobe à medida que o número de empregados aumenta. Na França, a osteria seria o bistrô. 

 
Segundo me contaram viajantes mais recentes à Europa, com a crise, essa singeleza mudou muito. É tudo preparado em grandes cozinhas industriais, que fornecem os pratos padronizados para todos os restaurantes, congelados em porções.


O cidadão senta à mesa e pensa que lá no fogão, está uma prendada cozinheira, matriarca da casa. Um cara qualquer, simplesmente desembrulha a porção saída do freezer, dá uma esquentada no micro-ondas, põe uma folhinha de manjericão em cima para dar aquele ar de frescor, e o turista engole.


Estava esquecendo da cantina, outra designação para estabelecimentos italianos, com aquelas garrafas-empalhadas de vinho Chianti, dependuradas no teto junto a réstias de cebola e alho.


A cantina nasceu – meu dicionário não falha – no quartel, onde se serve comida à tropa alojada. Dos quarteis, o nome migrou para os hospitais, escolas e estações de trem.


Lá em Portugal existem as tascas. Na verdade, botecos medievais de chão batido. Das vigas rústicas de madeira pendem linguiças (portuguesas, naturalmente), salames, morcelas e alheiras – espécie de chouriço. O freguês se serve com uma jarra, do vinho tinto ou branco, num dos toneis encostados à parede.


Com uma faca afiada, o freguês vai cortando pedaços dos embutidos dependurados sobre a sua cabeça, até se dar por satisfeito.


Na saída, passa pelo dono da taverna, da baiuca, da bodega, da birosca, ou, seja lá qual o sinônimo mais apropriado.


O curioso é que o botequineiro olha fixo, bem nos olhos do cliente, e diz quanto ele deve pagar.


Como é que ele sabe quanto cada um bebeu de vinho e comeu das coisas penduradas?


Alguém já disse que os olhos são reflexos da alma. Acho que posso ir além: tudo o que bebemos e comemos se espelha nos franzidos da testa.


Um velho frequentador da tasca disse que jamais alguém reclamou da conta.

Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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