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SÓ PROMETIA NÃO MENTIR

SÓ PROMETIA NÃO MENTIR

ZARCILLO BARBOSA
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Não sou nada, nunca fui nada, não quero ser nada. Eu e o Fernando Pessoa. Não sou candidato a nada e jamais serei. Logo, inexistem chances de alguém me ver na televisão fazendo promessas, cuspindo soluções para isso e para aquilo e pedindo votos.


Lembro-me de um filme de Mário Moreno “Cantinflas”, das matinês de domingo (belos tempos, belos dias), no original “Si yo fuera diputado”. O personagem-candidato não conseguia mentir, para desespero dos seus marketólogos.



“Yo soy un hombre sincero”. Nada tinha daquela imagem do homem perfeito que as mulheres querem como marido, os mais velhos como filho e os mais novos como irmão. Nenhum carisma.


Era a estampa do mal-ajambrado. Passados tantos anos, seria impossível reproduzir o seu discurso. Com algum esforço de imaginação, digo que era mais ou menos assim: “Amigos não tanto e amigas idem. Preciso dos votos de vocês porque sem eles não serei eleito e, portanto, continuarei na mesma situação de penúria em que me encontro desde que nasci. Chegou a hora de juntar um dinheirinho, tomar um banho de mar. Afinal, tenho direito, não tenho? ”


A multidão aplaudia o candidato, na atitude mecânica dos viciados em bate-papo político – sem refletir sobre o conteúdo das palavras.


A única promessa que ele fazia era de não mentir. E deixava isto muito claro na campanha:  “Não sou o salvador da pátria, se é que a pátria tem salvação. Vou lutar pela educação, saúde, segurança, geração de empregos, creches, mais água nas torneiras, asfalto, atrair indústrias, mas com a crise que atravessamos é bem provável que tudo emperre na falta de recursos” (palmas).


O candidato era uma espécie de Sr. Sinceridade. Perguntava à plateia do comício se alguém conhecia alguém contra a educação, hospitais para velhos e moços, contra a geração de empregos, creches e pavimentação nos bairros?  Naaaão – ululava a multidão. Nem eu. E tudo vai continuar mais ou menos na mesma. O mundo muda, mas tão lentamente que a gente mal percebe.


“Sou contra colocar apadrinhados políticos em cargos de confiança. Mas não acredito que no caso de vitória possa resistir às pressões”. Cantinflas ajeitava a calça que sempre ameaçava desabar, e sentenciava: “Tudo é válido em nome da governabilidade”.


Ele falava do seu país, o México. Por isso tornou-se universal. Lá como cá, o abuso é o mesmo. Só ainda não haviam descoberto as vantagens da  “rachadinha”, criação genuinamente brasileira. Os cabos eleitorais ficam em casa, não ocupam espaço no gabinete, não tomam café e nem usam o telefone, devolvem quase todo o salário e ainda agradecem por terem ficado com algum.


Imaginem se todos os comissionados resolvessem trabalhar. Não haveria cadeiras para todos.


É interessante o comportamento dos eleitores brasileiros. Os candidatos prometem uma cidade melhor. Cheia de soluções e nenhum problema. No andamento do mandato o povo percebe que a cidade continua com problemas para muitas soluções.


Durante a campanha todo mundo finge que acredita nas promessas, e aplaude.


Cantinflas continuava seu discurso, recusando-se a mentir para desespero dos seus assessores. “Se quiserem votar em mim, votem. Se não quiserem, o problema é de vocês. Mas nunca me acusem de tê-los tapeado”.


A cena terminava com a multidão correndo atrás do orador, para linchar o candidato que se recusava a enganá-los.


Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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