
SEGURA NA MÃO DE DEUS
ZARCILLO BARBOSA
O ministro Nunes Marques do STF, concedeu medida liminar permitindo que templos e igrejas realizem seus cultos neste domingo de Páscoa, com a presença dos fiéis.
A Suprema Corte, anteriormente, já havia definido por unanimidade de seus 11 membros que compete aos Estados tomar decisões a respeito de restrições ao funcionamento de atividades durante a pandemia. Com a liminar, decretos dos governadores de nada valem. Somente há recomendação para que sejam observados o distanciamento e os protocolos sanitários básicos.
No momento a ciência não recomenda aglomerações. Estamos batendo na casa dos 4 mil mortos por dia, vítimas do coronavírus. Falta estrutura hospitalar e insumos para tratar das intercorrências. A ciência não recomenda aglomerações.
Em Bauru, o líder varejista Wallace Sampaio editou um Manual para Confrontar a Fiscalização. A recomendação mais importante é a de unir os colegas e “colocar para correr os fiscais da vigilância sanitária”. Ganhou manchete até na imprensa internacional. No estrangeiro, o Brasil é visto como epicentro da pandemia e precisa ser isolado.
O comerciante quer vender, o jovem quer festar e os guias religiosos acham que pedir a misericórdia daquele que morreu para nos salvar, é o caminho que pode levar à superação dos nossos males.
Na cabeça do presidente Bolsonaro, o pecado está em colocar a Ciência acima do seu utilitarismo econômico, que alguns chamam de “ideologia”. Outros querem que o sagrado se sobreponha às responsabilidades das instituições.
O capitão vai tentar diminuir a influência do STF nomeando, para a próxima vaga alguém “terrivelmente evangélico”. O ministro Nunes Marques, por ele indicado, ainda é apenas alguém que reconhece seu benfeitor.
Voltamos à velha discussão do Estado laico versus liberdade religiosa. Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno dos seus princípios e valores, pois são parte da sociedade democrática. Mas não têm o direito de hegemonizar a cultura de um Estado constitucionalmente laico.
O direito constitucional de se coibir medidas coercitivas que possam restringir a liberdade religiosa, nada tem a ver no caso presente, com o país atingido pela peste. Sem saber administrá-la, ou por negligência de autoridades, hoje o Brasil é tido como um perigo para o mundo. Nem a Bolívia quer mais os brasileiros cruzando as suas fronteiras.
Os exageros estão dos dois lados da polêmica. O Ministério Público Federal chegou a ajuizar ação objetivando a retirada da expressão religiosa “Deus seja louvado” das cédulas do real.
Outros instigantes debates a respeito da laicidade estatal e da liberdade religiosa tem chegado à Justiça, como o questionamento acerca de uso de símbolos religiosos (como o crucifixo) em espaços públicos.
Há os que querem autorização para o sacrifício de animais em rituais religiosos; da realização de exames (como o Enem) em datas alternativas ao Shabat (dia sagrado para o judaísmo); da natureza do ensino religioso em escolas da rede pública, entre outros.
Chegaram a representar junto ao STF para que este declare a inconstitucionalidade do feriado de Nossa Senhora Aparecida. Até do Natal. Estado laico não é nada disso.
Garantir a diversidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais, é outra coisa. Inspirado pela razão pública e secular, o Estado democrático de direito não pode é ser refém de dogmas religiosos do sagrado. Muito menos quando está em jogo a saúde da população.
Feliz Páscoa. Oremos ao Senhor.
