O RIO DA MINHA ALDEIA
ZARCILLO BARBOSA
Alberto Caeiro, um dos heterônimos perfeitos de Fernando Pessoa, contrapôs o rio da sua aldeia, humilde, ignorado e despretensioso, ao Tejo, famoso rio português impregnado de recordações do passado glorioso do país.
– “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. ”
O poema foi passado em revista e analisado por milhares de estudos literários e nenhum deles explica que rio e que aldeia são essas. Deve ser um curso d’água insignificante, sem o sol que banha as costas do Minho ou do Douro repletas de videiras de consagradas cepas.
Nada disso importa. O rio da minha aldeia é o rio da minha aldeia. Fosse eu um poeta inspirado, mesmo canhestro, cantaria o Rio Bauru. Poderia compará-lo ao Tietê, utilizado pelos bandeirantes paulistas que o navegaram com os seus batelões rumo ao oeste, em busca de ouro e de esmeraldas.
Infelizmente, nunca ninguém pensou no que há para além, ao aquém, do rio da minha aldeia. Vivemos aqui o mesmo drama de Alberto Caeiro que se lamentava, melancólico, do seu rio que não faz pensar em nada.
– “Quem está ao pé dele está só ao pé dele”. Nenhuma inspiração nos pode trazer o Rio Bauru como esgoto a céu aberto. Os garotos que tiveram a ventura de pescar guarus com peneiras às suas margens, provavelmente já morreram ou estão tão velhos a ponto de não acharem valer a pena um protesto à degradação do rio das recordações da infância.
Um dia, nossos filhos e netos poderão se inspirar às margens do rio sempre relegado. O tratamento do esgoto nele despejado, fica sempre para o próximo ano.
Curioso que um acidente, há mais de um século, tenha transformado o Rio Bauru em “recanto aprazível”, como se dizia antigamente. Em 1906, o Rio Bauru transbordou em “furiosa catadupa, levando de roldão casas de suas margens, pontes de madeira, arrancando arbustos e toneladas de areia.” Quem conta é o historiador Carlos Fernandes de Paiva.
Todos esses entulhos arrastados pelas torrentes dos rios Bauru e das Flores foram parar no quintal de Francisco Ministro Zani. O dique natural deu origem a uma lagoa, logo chamada “do Ministro”.
Inspirado na nova paisagem, Ministro Zani limpou as margens, solidificou a barragem e transformou a lagoa numa área de recreio. Logo surgiram barcos a remo, o bar, o caramanchão e os bailes animados pela banda de Zezinho Marques. Todos os domingos e feriados, às três horas da tarde, a banda descia a Araújo Leite, em cujo final estava a praia dos bauruenses.
Nem sei se os poetas se inspiravam às suas margens. Garantem os cronistas da época que muitos casamentos ali foram prometidos.
Em 1935, novas chuvas torrenciais e lá se foi a lagoa enterrada por um aluvião de areia e de materiais de construção da “cidade trepidante”. O assoreamento à montante impediu o livre curso do rio, que cobrou o seu preço. “Dir-se-ia que o ribeiro lendário, enciumado pela pompa de sua hóspede formosa teria conspirado com as ninfas para a restauração do seu império” – termina o velho jornalista.
Continuo fiel ao rio da minha aldeia. Mesmo feio e sujo. Será motivo de orgulho um dia. Não é tão belo quanto o Sena, o Reno, nem o Danúbio. Mas é o rio da minha aldeia.

Cid Pimentel
Zarcillo
Adoro ? esse poema . Já o interpretei no Teatro em um espetáculo do Abujamra, concebido pelo Manoel Carlos sobre uma seleção de Fernando Pessoa.
Chamava se -A LUA COMEÇA A SER REAL
Fui feliz dizendo os versos
Nunca nem escrevi nem sobre o Rio Bauru, nem sobre o Ribeirão das Flores , nem sobre o Rio Batalha .
Num único poema sobre Bauru escrevi sobre minha cidade ter areia branca
E não ser do mar
.
Adorei seu texto para variar
Beijos saudosos
Cid Pimentel
proximarota
Obrigado pelo prestígio, Cid!
Um abraço.
ZB.