PARIS É UMA FESTA
Em qualquer estação, a Cidade Luz tem o mesmo glamour
(1ª parte)
Na sua obra póstuma “Paris é uma festa”, o prêmio Nobel de Literatura Ernest Hemingway deixou gravada todas as suas lembranças da cidade onde viveu, amou e trabalhou. O título correto da obra seria “Paris é uma festa móvel”. Quem vê a Cidade Luz uma vez, dela jamais se esquece. Para o resto da vida as experiências passadas nos seus museus, bulevares e bistrôs sempre estimularão os sentidos. As paisagens das ruas, os instantes vividos nos cafés, as flores dos seus jardins retornarão à mente para reavivar, a cada oportunidade, aquele gostinho de festa.
“Se você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença continuará a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa móvel, que se carrega no coração” – escreveu Hemingway a um amigo, há mais de meio século. Suas impressões continuam atuais.
Que nos perdoem Londres e Nova York, mas Paris é fundamental. A cidade transpira charme e história. Cenário e luz ideais para o amor assumido e as intimidades roubadas. As pontes do Sena, pessoas de todos os quadrantes do planeta que desfilam na Champs-Elysées, a Rive Gauche, a pirâmide de vidro do Louvre, suas estátuas-guardiãs douradas. Tudo tão bonito que é difícil não abusar dos adjetivos.
Fácil perceber depois da primeira visita porque nela viveram gênios da estirpe de Pablo Picasso, Henry Miller, Dali, Gertrude Stein, Isadora Duncan, Oscar Wilde. Sem esquecer os nativos, como Sartre e Simone de Beauvoir, Matisse, Jean Cocteau, Coco Chanel, Balzac e tantos outros. Em cada rua existe pelo menos uma placa na fachada de um prédio para assinalar que “aqui morou fulano de tal”.
O gênio cubista espanhol Pablo Picasso passava os seus dias flanando em Montmatre. Seu rastro pode ser sentido no Lapin Agile ou no Moulin Rouge, cabarés também frequentados por Manet, Degas, Utrillo e Toulouse-Lautrec. Naquele tempo Paris já era velha, e continua sendo.
Hoje, Paris não é mais “o lugar que é a cara do século”, como dizia Gertrude Stein nos anos 1920. O século já é outro. Nova York, Londres e Los Angeles são cidades muito mais importantes como centros financeiros e exportadoras de arte, literatura e celebridades. Hong Kong e Tóquio emergem como polos de modernidade, tecnologia e ousadia arquitetônica. Talvez, por isso mesmo, Paris seja tão fascinante.
Na cidade, a gente não vê tanta gente correndo para fechar algum tipo de negócio, como se o mundo fosse acabar. Percebe-se um forte apego às tradições na restauração constante dos prédios. A baguette e o vinho, o cheiro do queijo e do perfume, as feiras ao ar livre com suas delícias artesanais e as bancas de flores fazem a diferença com as outras capitais. Os jovens reunidos para comemorar Che Guevara na Praça da Sorbonne, ou simplesmente festejar a liberdade de pensar diferente, fazem parte da cultura parisiense. Desde o século 13 a cidade é um centro de evolução social. Aonde existe tanta coisa reunida? Tudo faz de Paris, única. São muitas as razões para se apaixonar.
“Para mim, fora de Paris, não há salvação para as pessoas honestas”. (Molière)
“Paris é para mim a cidade da felicidade e da eterna juventude.” (Stefan Zweig)
A NOTRE DAME, O LOUVRE E OS CAFÉS
Cartões postais de Paris se preparam para a chegada do luminoso inverno
Agora que as companhias aéreas baixam o preço porque começa a esfriar, o glamour se mantém em Paris. Terminaram os desfiles de moda. Não haverá tantos turistas nos pontos imperdíveis como a Torre Eiffel, a Catedral de Notre Dame e o Louvre, mas sempre haverá filas. Nada que preocupe. A organização é tão grande que as gigantescas serpentes humanas são engolidas em minutos.
Dentro de mais alguns dias estarão acessas as luzes da Champs-Elysées e das fachadas dos grandes magazines, como as Galeries Lafayette, para anunciar a aproximação do Natal. Imagine 16 mil butiques engalanadas.
Paris já é toda iluminada o ano inteiro. Existe até uma secretaria da Prefeitura para cuidar da iluminação dos monumentos públicos e edifícios históricos. Pense como deve ser a eterna Cidade Luz, no final do ano. O frio é perfeitamente suportável, mesmo para um tropicalista brasileiro. A neve não faz parte dos cartões postais de Paris. Se vier, considere-se alguém de muita sorte. Quem é que viu a Torre Eiffel branquinha de neve?
Dica número 1. É preciso um tênis bem laceado no pé e muita disposição para andar. Só no ‘pé-dois’ você pode degustar o Arco do Triunfo, Torre Eiffel, Notre Dame, as margens do Sena, Île-de-la-Cité e Île-Saint-Louis, descer o Boulevard Saint-Michel até o cruzamento com o Boulevard Saint-Germain. Ânimo! Há trechos mais longos onde o metrô é recomendado. Fácil de usar e seguro. Não tenha medo dos seus labirintos. Mas andar será sempre uma obrigação. Deixe para descansar em casa.
Quartier Latin está meio ‘butiquizado’, invadido por lojas de grife como Armani e Vuitton. Nos cafés Aux Deux Magots e Flore (Boulevard Saint-Germain, 170 e 172), frequentados por Sartre e Simone de Beauvoir, Marx e Lenin e tantos outros intelectuais, as mesas são disputadas a tapas pelos turistas dispostos a pagar R$ 30,00 por um cafezinho. Dos intelectuais nada sobrou…
A esquerda engajada e militante já não existe. O mundo mudou. Resta a satisfação de sentar-se na mesma mesa da qual Hemingway se serviu para escrever “Por quem os sinos dobram”, tendo às vezes por companhia e crítico F. Scott Fitzgerald. Perto dali, para encerrar a tarde, atravesse os portões do Jardin du Luxembourg. Em qualquer estação haverá flores de todas as cores e a grama estará impecavelmente tratada, como se fosse um tapete verde.
A Shakespeare & Company, a mais glamourosa das livrarias de Paris, está no número 37 da Rue de La Bûcherie, às margens do Sena, com vistas para a Notre Dame. A primeira dona, em 1919, foi Sylvia Beach, que em 1922 editou pela primeira vez o romance “Ulysses”, de James Joyce.
SACRÉ-COEUR, VINHEDOS E ARTE
Depois de visitar a igreja na colina do Sacré-Coeur, de onde Paris parece mais romântica mesmo com uma leve névoa num dia cinza, o turista pode ver o Moulin de La Galette representado por Renoir em uma das suas pinturas mais famosas.
O passeio vai incluir o Bateau-Lavoir, onde Picasso e Braque tiveram seus estúdios; a casa onde a cantora contemporânea Dalida morou; o vinhedo da Rue de Saules; a Place du Tertre, cheia de pintores, caricaturistas, cabarés e restaurantes.
Tudo continua como antes, refletido nos espelhos dos restaurantes art-noveau. Nas entradas, predomina o mesmo estilo dos projetos de Héctor Galimard, de 1900. Algumas novidades não são daquela época, como as 20 mil bicicletas postas à disposição da população.
É isso mesmo! O Velolib – bicicleta da liberdade. São 750 pontos onde o parisiense pode apanhar uma bicicleta e sair rodando até onde queira, por 1 euro, pago no cartão.O usuário deixa a bicicleta no ponto mais próximo da sua casa – no máximo 300 metros – onde outro cidadão pode alugá-la. Com isso, o prefeito conseguiu diminuir em 20% o trânsito motorizado nas ruas, graças às bicicletas doadas por um empresário de outdoors ao custo de 14 milhões de euros. Só para provar que é possível diminuir o dióxido de carbono lançado à atmosfera pelos veículos a motor.
VERSALHES DE MARIA ANTONIETA E OS ANOS DE LUXO E RIQUEZA
Impossível ir a Paris e não visitar Versalhes, que está a uns 25 quilômetros da Capital francesa. O palácio é o testemunho do esplendor do grande Século clássico francês.
Versalhes surpreende pela conservação, que permite sentir o luxo e a riqueza que lhe deram fama e o tornou símbolo do poder absolutista.
Os 850 hectares de jardins, canteiros de flores, repuxos e bosques são simplesmente extraordinários. Não há outro adjetivo. O palácio originou-se da decisão de Luís XIV de ali se instalar em 1682.
É uma obra-prima do classicismo francês. A Galeria dos Espelhos, suntuosamente projetada por Le Brun, foi palco das maiores festas da história. Os candelabros dourados com os querubins na base, feitos especialmente para as bodas do rei com Maria Antonieta, ainda estão lá, perfeitamente conservados.
O visitante pode ver os aposentos do rei, a sala do trono e o quarto de dormir da rainha. Tudo foi invadido durante a Revolução Francesa. O povo pulava na cama da rainha, presa e decapitada junto com o marido.
Cerca de 20 mil cortesãos chegaram a morar em Versalhes. Festas todos os dias, até que a diversão acabou porque o país faliu.
O espelho d’água do terraço central, a alameda real, os pequenos bosques, o Trianon de mármore do tempo de Luís XIV, a capela de 1669, as 6.000 pinturas antigas, as esculturas e outros objetos de arte fazem de Versalhes única pelo seu esplendor.
É possível ir de trem de subúrbio (RER), desde Paris. Vale a pena uma visita com guia falando espanhol, a 69 euros, com duração de quatro horas, saindo de ônibus especial pela manhã. A Cityrama (www.pariscityrama.com) tem ônibus que saem da Placedes Pyramides com a Rue de Rivoli, bem em frente ao Louvre e as Tulherias. Essa empresa também tem excursões regulares para outros pontos turísticos da França como Fontaineblau e Barbizon, Chartres, Mont Saint-Michel, castelos do Vale do Loire e outras excursões de um dia.
MARAIS, BASTILLE E O MUNDO GAY
Paris é uma cidade aberta para todos, onde preconceito não tem vez
Outra “modernidade” de Paris é a transformação do Marais em comunidade gay (diga Marré, como na canção infantil “Eu sou pobre, pobre, pobre, de Marré, Marré, Marré…”. O bairro, tradicionalíssimo, hoje não é tão pobre assim.
No século 17 foi um pântano onde só os miseráveis moravam. Os judeus o escolheram como reduto, em dias melhores e mais recentes. Agora os gays fazem a comunidade forte. Tão forte que elegeu o prefeito de Paris, o primeiro assumidamente homossexual.
Em Paris, o visitante vai ver casais de todos os gêneros andando de mãos dadas pelas ruas adjacentes à Praça da Bastilha. A Rue de Llape é um encanto num sábado à noite. Tem até cachaçaria brasileira. Nem ouse se espantar…
O Marais é o bairro residencial mais próximo do Centro. Lá está o Museu Picasso e o Museu Carnavalet, que conta a história da cidade. No outro quadrante está o Centro Cultural Georges Pompidou, com seu aspecto hight-tech.
Inesquecível mesmo é comprar uma baguette saída do forno de qualquer uma das centenárias boulangeries e pâtisseries do Boulevard Beaumarchais.
A charmosa Place de Vosges está bem ali e foi inaugurada em 1614 pelo rei Louis XIII. Charmosíssima, com seus restaurantes sob as arcadas dos prédios. São 36 casas, todas iguais. Nove em cada lado do quadrilátero.
Numa delas morou Victor Hugo, a maior glória literária da França. Só por isso sua maison é um dos poucos locais, além do Carnavalet, que pode ser visitado com ingressos gratuitos. Por isso, se alguém lhe dizer que Paris está fora de moda, desconfie. Não há estação preferencial para visitá-la.
Sempre há Paris
Se você sentiu falta de alguma atração, por exemplo dos lugares explorados por Woody Allen, em “Meia Noite em Paris” (dá uma vontade de voltar no tempo, não é mesmo?) não se estresse. É impossível ver tudo de uma vez. É só lembrar da frase da personagem de Diane Keaton no filme “Alguém tem que Ceder”, com Jack Nicholson:“There’s always Paris” – Sempre há Paris. Para uma, duas ou uma infinidade de viagens. Sempre diferentes, sempre inesquecíveis, para sua próxima rota.
*Texto: Eliane Barbosa e Zarcillo Barbosa
*Créditos foto capa: Atout France/Jean Fran ois Tripelon-Jarry