O PEQUI ROÍDO DA PANDEMIA
ZARCILLO BARBOSA
Chamar o presidente da República de “pequi roído” pode dar até três anos de cadeia.
O ministro da Justiça André Mendonça ressuscitou a Lei de Segurança Nacional, do tempo da ditadura, para enquadrar opositores de Bolsonaro e tratar divergências políticas como crime.
Um dos investigados é o autor de uma série de outdoors, espalhados por Palmas, capital do Tocantins, que reivindica o impeachment de Jair Bolsonaro afirmando que o presidente “não vale um pequi roído”. Ao que se saiba, o pequi ainda não foi ouvido.
A expressão é popular entre os que vivem na área do Cerrado e pode ser traduzida como “algo que não presta” ou “que não vale nada”. Da fruta roída sobram os espinhos.
Para quem não sabe, o Cerrado é parte do Brasil Central abrangendo os Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso e parte de Minas Gerais. Coisa de 22% do território nacional.
O pequi, árvore baixa de galhos revoltosos, é comum no bioma. Dá um fruto muito utilizado na culinária sertaneja, apreciado quando cozido com arroz e frango.
Esta não é a primeira vez que o pequi ganha destaque no noticiário político nacional. Há vinte anos, o então senador carioca Saturnino Braga conheceu da pior maneira os perigos desse pequeno fruto, de gosto forte. O pequi pode fazer vítimas entre amadores, se não for degustado corretamente.
Durante um jantar, em Pirenópolis, cidade histórica de Goiás, ofereceram uma deliciosa galinhada com pequi para o senador. Esse fruto precisa ser roído com muito cuidado. Recomenda-se saborear somente alguns milímetros da polpa. Abaixo disso existem pequeninos e múltiplos espinhos.
O convidado mordeu o fruto, e as lancetas grudaram na sua língua, no céu da boca e nas bochechas. Não quis cuspir à mesa e foi ao banheiro. Na mesma noite o senador tirou umas 30 farpinhas. Costuma ocorrer reação alérgica que pode provocar até febre. No dia seguinte, foi preciso chamar uma enfermeira para tirar outros tantos espinhos com pinça.
O inchaço dificultava a fala do político que precisava da voz para ler importante parecer, da tribuna senatorial.
O episódio rendeu pano pra manga. Especulou-se que Saturnino Braga estava sofrendo as consequências espirituais por ser relator de um processo de cassação contra Antônio Carlos Magalhães. ACM seria figura protegida pelos Orixás dos terreiros da Bahia. Mãe Elza de Oxum disse que seus inimigos poderiam mesmo passar “por incidentes”. Os senadores ACM e José Roberto Arruda eram acusados de quebra de decoro ao violar o sigilo do painel de votação eletrônica do Senado Federal. Acharam um jeito de conhecer os autores de todos os “votos secretos”.
Saturnino pedia a cassação de ambos, no documento por ele redigido. Antes, ACM e Arruda renunciaram. Jogada clássica para não perder os direitos políticos e poderem se candidatar novamente nas próximas eleições.
O youtuber Felipe Neto também responde a inquérito por “crime contra a honra”. Chamou Bolsonaro de “genocida”. Grandes escritórios de advocacia, preocupados com o avanço no autoritarismo fundaram o Grupo Cala a Boca já Morreu, para ajudar na defesa da liberdade de expressão. Pretendem também acionar o Ministério Público contra eventuais abusos de autoridade.
Nem imagino o que o ministro da Justiça pretenda fazer com a jornalista Mariliz Pereira Jorge que, na Folha de quinta-feira, usou uns duzentos adjetivos diferentes para (des)qualificar Bolsonaro.
A jornalista gastou o dicionário. Alguns termos eu nem conhecia, como labrusco, que o Google diz significar inculto, agreste, agressivo. Mariola, para mim, é um doce de banana. Mas, pode significar menino de recados. Pequi roído e genocida são as últimas verrinas do artigo.