O PAÍS DOS HUMORISTAS
ZARCILLO BARBOSA
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No Brasil, ao longo da sua história, os políticos sempre ofereceram motes para satisfazer a veia humorística do povo. Nada mais corrosivo do que o humor, não só em política como também para livrar a sociedade dos maus vícios.
Quando o país viveu sob a ditadura militar, a repressão obrigou os nossos piadistas a se aperfeiçoarem em sutilezas. O povo frustrado se vingava dos governantes, ao gargalhar com as tiradas dos seus humoristas. Era desafiante produzir gozações capazes de levantar multidões, ainda que sob o risco de passar meses preso.
A turma do Pasquim, por exemplo, foi inteira para os porões da ditadura. O jornal batia recordes de tiragem com venda exclusiva em bancas.
Os humoristas crescem em importância e audiência em épocas de exceção.
Durante a ditadura Getúlio Vargas, nos anos 1930 e 1940, celebrizou-se Aparício Torelly, o nosso Barão de Itararé. Seu jornal “A Manhã”, foi fechado várias vezes. Chegou a ser “empastelado” – como se dizia quando a tipografia era vandalizada a ponto de ficar inoperante – somente porque o jornalista referiu-se ao imobilismo do governo com a frase: “de onde menos se espera, aí é que não sai nada mesmo”.
A redação foi invadia e ainda pregaram uma surra no Barão de Itararé, por causa das suas gozações. Ele mandou pregar na porta do jornal um cartaz com a advertência: Entre sem bater.
Hoje, a vida ficou muito mais fácil para os humoristas. O governo Bolsonaro oferece inspirações diárias e a liberdade de expressão existe. O direito de rir, aliás, ninguém consegue revogar. O presidente chama de “mentirosos” aqueles que dizem haver fome no Brasil. Flerta com a censura ao propor “filtros” para financiamento de filmes. Diz que a Europa tem muito a aprender com o Brasil em matéria de proteção ambiental. Em seguida, o Ministério da Agricultura libera 290 tipos de agrotóxicos para uso nas nossas lavouras. Em paralelo, o governo anuncia uma “luta sem tréguas” contra as drogas. Bolsonaro faz comentários preconceituosos sobre as origens nordestinas de um ministro – “Com essa cabeça aí, tu não nega, não”. Morde e assopra: “Minha filha também tem sangue cabra da peste”. A última do presidente foi ele tachar de “idiota” a pergunta de uma jornalista sobre a utilização de helicóptero da FAB para transportar convidados à festa de casamento do filho.
A notória ministra das Mulheres, Damares Alves, descobriu que na Ilha de Marajó, as mulheres são estupradas “porque não usam calcinhas”. É um novo indicador de pobreza. Sugere que se instale uma fábrica no Marajó, para baratear o produto, gerar empregos e livrar as mulheres de serem exploradas.
Na área econômica, inventaram o botijão de gás com meia carga, para baratear o preço. Abriu-se a oportunidade para os trabalhadores sacarem 500 reais do FGTS “para poderem pagar suas dívidas”. Se forem despedidos sem justa causa, o uso do Fundo estará bloqueado.
Nem o Super-Sérgio Moro escapa. A PF prendeu os autores da invasão aos celulares do ex-juiz e do procurador Dallagnol. Moro ligou para Bolsonaro, Paulo Guedes, Joice Hasselmann, ministros do STF e outros possíveis grampeados, sugerindo que se destruam todas as provas. Por ilegais. Maior beneficiário desse apagão: ele mesmo.
Tem razão o humorista José Simão, quando diz que “este é o país da piada pronta”. Dispensa genialidades. Talvez por isso, vá se tornando tão sem graça. O povo, já cansado de indignar-se, começa a perder a vontade de rir.