O ANTIRACISMO NA CONSCIÊNCIA DE TODOS
ZARCILLO BARBOSA
O mais notável representante da resistência negra à escravidão no Brasil foi Zumbi, herdeiro do tio Ganga Zumba.
O Quilombo dos Palmares chegou a abrigar 20 mil “fugidos” sob sua liderança, na capitania de Pernambuco. Uma verdadeira nação com leis próprias, divisões de atribuições no trabalho e na segurança.
Depois de sobreviver a muitos ataques, o Quilombo sucumbiu diante das tropas mais numerosas e armadas de Domingos Jorge Velho. Zumbi foi decapitado, teve a cabeça salgada e exibida nas ruas do Recife em cortejo. Sua morte, em 25 de novembro de 1695, é hoje é refletida no Dia da Consciência Negra.
É trágico que, à véspera da reverência ao martírio de todos os escravos sofridos no Brasil, a imprensa registre mais um relato de tortura e morte contra um negro, num supermercado de Porto Alegre. Para o vice- presidente, o crime nada tem a ver com o racismo, mas com o despreparo dos seus algozes. Certamente porque não souberam fazer um serviço limpo.
O presidente Bolsonaro, sem mencionar o episódio, disse que o Brasil “tem questões mais complexas que os problemas raciais”. Denuncia um movimento político que visa “destruir” a diversidade e dividir os brasileiros. E simplifica: “Não existe cor da pele melhor do que a outra. Existem homens bons e homens maus”.
A escravidão durou quase 400 anos, num país com pouco mais de um milênio de existência. À época da abolição, o Estado e a igreja, assim como os ex-senhores, entregaram os libertos à própria sorte.
No campo eles não tinham terras para cultivar. Na cidade, não recebiam educação, nem instrução necessária para se engajar no novo mundo produtivo.
Foi assim que descendentes e ex-escravos chegaram ao século 20. Não apenas no estado de pobreza ou de miséria, mas, sobretudo, sem os instrumentos indispensáveis à superação de tal situação. Vale dizer, condenados ao subproletariado urbano, num contexto de inadaptação e falta de ajuda.
Neste ainda novo século, melhorou um pouco para os afrodescendentes, que finalmente têm um regime de quotas nas universidades públicas e lutam para conseguir a mesma política de afirmação em empregos públicos e representatividade partidária e eleitoral.
A Constituição dispor sobre o princípio da igualdade de todos perante a lei é insuficiente para garantir a plena cidadania.
O racismo ainda se manifesta no subemprego dos negros e nos baixos salários na comparação com a minoria branca. Se não existe uma cor da pele melhor do que a outra, como propaga o presidente do país, a polícia não sabe disso. Os seguranças do Carrefour também não. As estatísticas comprovam.
Para erradicar a pobreza e a marginalização; para reduzir as desigualdades sociais; para sermos mais equânimes na diversidade étnica, se faz necessário tratar os desiguais de forma desigual, através de políticas e ações afirmativas. A questão das cotas nas universidades, no trabalho e na representação política são algumas delas.
Infelizmente ainda poucos se conformam com essa alavancagem para romper o círculo vicioso da subcidadania, com o ingresso do descendente de escravos na “ordem social competitiva”, como queria Florestan Fernandes.
A intolerância racial, quem sabe, um dia possa entrar em decadência depois que os iguais forem tão iguais quanto os outros.