NÃO CONSIGO RESPIRAR
ZARCILLO BARBOSA
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Enquanto o mundo se derrete em meio a pandemia, ainda temos que conviver com dolorosas demonstrações racistas. Já pelas tampas com as quarentenas, desemprego e perda de renda, o povo dá demonstrações de impaciência. Além de lutar contra o vírus e suas consequências, é obrigado assistir a demonstrações autoritárias, preconceituosas e racistas.
A onda de protestos que tomou conta dos Estados Unidos, ganha espaço em outros países, inclusive no Brasil, depois da morte de George Floyd. Diante da câmera de um celular, o policial wasp (branco, anglo-saxão e protestante), pressiona com o joelho o pescoço do cidadão negro contra o chão, até o seu desfalecimento seguido de morte.
Discussões sobre racismo ganham evidências dentro de casa em tempos de isolamento social. É uma oportunidade para explicar às crianças porque acontecem essas demonstrações de barbárie.
Junta-se ao caso Floyd, o episódio da morte do menino João Pedro, de 14 anos, baleado dentro de casa durante uma ação policial. E ainda um áudio vazado de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, que, durante uma reunião com assessores, chamou o movimento negro de “escória maldita, que abriga vagabundos”.
Na terça-feira, o menino Miguel, de cinco anos, é despachado de elevador pela patroa da sua mãe, como se fosse um embrulho incômodo, e encontra a morte ao despencar do nono andar.
Depois de três séculos e meio como o maior território escravista, o Brasil não consegue se livrar do estigma. A Lei Áurea libertou os negros cativos há 132 anos, mas culturalmente, ainda grande parte da população considera o negro como, no mínimo, “exótico”. A população negra e parda é maioria no território. Somos o segundo país de maior população negra ou de origem africana do mudo. São 115 milhões de pessoas (IBGE), número inferior apenas à população da Nigéria, de 190 milhões de habitantes.
O Brasil, colonizado por europeus, foi construído pelos negros. Mas, sempre sonhou em ser um país branco. O imperador Pedro II, no século XIX, financiou projetos de “branqueamento” da população, que teve sequência com os idealistas republicanos. Os programas de imigração europeia tinham exatamente esse objetivo. Dar um choque de “sangue de branco” na nossa negritude.
Liberdade nunca significou, para os ex-escravos e seus descendentes, oportunidade de mobilidade social ou melhoria de vida. Nunca tiveram acesso a terras, bons empregos, moradias decentes, educação, assistência de saúde outras oportunidades disponíveis para os brancos. Nunca foram tratados como cidadãos. É só verificar as estatísticas. Um homem negro tem 8 vezes mais chances de ser vítima de homicídio no Brasil do que um homem branco.
Esse tratamento desigual, vem de longe. O filósofo grego Aristóteles era senhor de escravos. Thomas Jefferson, igualmente. Ele foi autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos, onde está escrito que todos os seres humanos nascem livres e com direitos iguais. Tiradentes, herói da Inconfidência Mineira, foi dono de pelo menos seis cativos (“Escravidão”, Laurentino Gomes).
O Brasil recebeu 5 milhões de negros escravizados, fora outros 2,5 milhões que morreram nos deslocamentos desde o continente africano.
Somente seremos um país menos preconceituoso, na medida em que for discutida, com as novas gerações, o papel do negro na formação da identidade nacional. Também precisamos nos livrar da pressão moral e ética de joelhos no pescoço. Independentemente da cor da pele, muitos de nós carecem de ares civilizatórios.
