MÃE SOFRE
ZARCILLO BARBOSA
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No tempo de eu menino, as mães recomendavam aos filhos para não esquecerem de levar a japona, quando saíam de casa.
Quem tem pelo menos meio século de vida já teve um desses agasalhos esportivos de lã grossa. Até há alguns meses, a recomendação era para levar a camisinha. A pergunta normal à filha: “Tomou a pílula hoje?” Nestes tempos viróticos as mães nem admitem que os filhotes saiam de casa.
Os tempos mudam e as pessoas também. A única coisa que persiste é a preocupação materna com seus rebentos.
Diz um ditado alemão que Deus não poderia estar em todas as partes ao mesmo tempo e, por isso, criou as mães.
Também deve ter lhes dado a infinita capacidade de perdoar a descendência, mesmo quando o filho lhe dá de presente uma blusa três números menor, que comprou pela internet. Ou a presenteia com a terceira caneca com a frase Amo a Minha Mãe.
Pena que hoje, com o tal distanciamento social, os filhos não vão poder dizer, em tom imperativo: “Hoje mamãe não cozinha”. Esse ato de bondade para compensar todas as boias filadas durante o ano, não será possível. Ela nem vai reclamar porque, no ano passado, foram mais de duas horas de espera na fila do restaurante.
Mais fácil fazer tudo em casa, como sempre, depois de toda a trabalheira de enfrentar a fila no supermercado, de máscara e luvas cirúrgicas.
Bons tempos aqueles em que a gente cantava no pátio da escola “Mamãããe, mamãe… o avental todo sujo de ooo-vo…” Impossível não lembrar da infância querida, que os anos não trazem mais. Tia Gilda nos ensinava a fazer gestos na hora da frase “eu te lembro com o chinelo na mão”, a mais divertida.
Minha mãe tinha um chinelinho acolchoado e nós fingíamos que doía, para depois rir atrás da mangueira de tanta brabeza. Até isso as mães não podem mais fazer, desde a aprovação da Lei da Palmada. Nem sei se pegou essa proibição do chinelo pedagógico.
O governo quer interferir nos lares a ponto de querer punir os pais pelas palmadas, croques no cocuruto e beliscões no braço dos filhos. Mas quem castigará a região glútea (copyright by Pedrosinho) dos governantes pela falta de qualidade do ensino?
Outra coisa… Tome cuidado para não matar sua mãe no almoço deste domingo. O vírus é uma ameaça invisível. Fiquei comovido quando um amigo me disse, numa troca de mensagens, que ainda cultivava o hábito de tomar o café da manhã com a mãe, todos os dias. Ele, sentado na escada da varanda e ela no parapeito da janela, equilibrando a xícara e o pires com a fatia de bolo.
Mãe sofre de tudo quanto é jeito. Lembro-me que há alguns anos, estava nos Estados Unidos quando a Time publicou na capa a foto de uma mulher de 26 anos, dando de mamar a uma criança de três anos. Virou polêmica nacional a entrevista feita com um cientista com mais de 40 livros publicados, que defende que os pais mantenham laços estreitos com os filhos até idades avançadas. É a teoria da criança com apego caracterizada por uma lactância prolongada. Significa permitir mamar até que o pimpolho o faça em pé, e a mãe também. Naquela ocasião caíram de pau no tal entrevistado da Time, acusado de “déspota antifeminista”.
Na prática, hoje, os filhos não saem de casa nem aos quarenta anos, porque não encontram trabalho para viver às próprias custas.
É difícil ser mãe. O bullying na escola começava pelo “Seu filho da mãe!” Só fui entender do que se tratava já grandinho, ao ouvir o palavrão numa versão mais politicamente correta – “seu filho de uma boa mãe”.
Hoje, ofensa é chamar a mãe de gorda no Face. Evoluímos. A preocupação única é a de não perder mamãe para o COVID-19 ou qualquer outra morbidade. Como queria Drummond,
Fosse eu Rei do Mundo,
Baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
Mãe ficará sempre junto de seu filho
E ele, velho embora,
Será pequenino
Feito grão de milho.