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A questão dos furos íntimos

A questão dos furos íntimos

ZARCILLO BARBOSA


Passaram-se dois mil anos desde o início da cristandade até que surgisse um Papa para elogiar o prazer sexual e a união entre pessoas do mesmo sexo. Há quem chame Francisco de “comunista”.


“Qualquer maneira de amor vale a pena” – dizia a música de Caetano e Milton Nascimento nos anos 1970. É preciso que se lembre dela para atravessarmos a onda desse conservadorismo caricato que ainda critica beijo na boca como “pouca vergonha”.


Há quem esconjure como decadência o que os casais fazem no breu dos quartos.


A vida sexual, essa questão de furos íntimos, periga virar política de governo.


Estamos no caminho de volta a Pero Vaz de Caminha, o primeiro repórter em Terras Brasilis, que em tom de espanto relatou a El Rei ter visto índias sem coisa alguma a lhes cobrir “as vergonhas”.


Mal sabia o gajo que vergonhas estavam na cabeça dele. Já não existia pecado deste lado de baixo do Equador.


Este é o país de Dercy Gonçalves e Hilda Hilst. Da Rogéria, a “travesti da família brasileira”. Todas elas, hoje, estelas brilhantes no firmamento.


Os sexos, com todas suas maiúsculas em L,G,B,T,Q,Y, saíram do armário e parecia que ninguém tinha mais nada a declarar. Aí, ressurge a violência homofóbica e transfóbica com ares de ideologia de gênero. Até um guaraná de nome Jesus, teve uma exposição gratuita e escandalosa na mídia, patrocinada pelo presidente Bolsonaro, por ser cor de rosa. Coisa de boiola.
 


Imagino o sofrimento do Mário de Andrade, importante escritor do Modernismo, autor de “Macunaíma”, gay reprimido nos anos 1930. Escondeu do público o texto onde afirmava desconhecer “música mais bonita que a do ruído do cinto de um fuzileiro batendo na cadeira de um quarto de hotel”.


O sexo é do tamanho da sua importância, aquela que cada um dá a ele na intimidade de suas vidas. Mas eis que os moralistas enrustidos também saíram do armário. A ideologia de gênero é um mito. Nem sequer existe e já faz parte do pacote de preocupações nacionais. Já não bastasse a covid- 19 (ainda discutem se covid é gênero feminino ou masculino), o desemprego, a inflação e o derretimento do valor aquisitivo da moeda.


Ainda me surge um ministério que quer decidir o que pode e o que você não pode ser. No casal heterossexual, existiria o dever da submissão da mulher ao homem.


É pressuposto que o Estado seja laico. Que não prova um grupo em detrimento de outro. Menos ainda que reprima a diversidade na sociedade sob a interpretação de preconceitos religiosos.


Precisamos exorcizar os fantasmas que nos amedrontam. Do “isso não pode”, aquilo outro também não.  O governo tem mais é que se preocupar com a Saúde, a Educação. Não é o sexo, estúpido, é a Economia.


Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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