FOGO NO CIRCO
ZARCILLO BARBOSA
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Dizia Octávio Paz, mexicano prêmio Nobel de Literatura, que a corrupção da língua corresponde também à corrupção dos costumes e da própria nação. Brasileiros de boa índole se constrangem com as contínuas incontinências verbais do Presidente da República. Palavras desbocadas contaminam a chamada “liturgia do cargo”. Até mesmo na caserna esse machismo está em desuso.
Os que defendem o presidente dizem que “é o jeitão dele”. Ninguém é capaz de contê-lo. Acha, ou presume, que o linguajar escatológico o aproxima do povo. Os editores dos jornais televisivos pensam diferente, e transformam os impropérios em apitos.
Neste cenário político conturbado, os envolvidos em brigas verbais deturpam os conceitos de palavras antigas, para justificarem seus arroubos. Todos dizem que defendem a Democracia, sistema de governo do povo, pelo povo e para o povo, que vem desde a Grécia Antiga. Abraham Lincoln deu fama à expressão no famoso discurso de Gettysburg, quando pregou a união nacional e a subserviência do Estado aos interesses do povo, e não o seu contrário.
Modernamente se diz que a Democracia é o regime dos erros sucessivos. O primeiro a errar são os eleitores. Sou obrigado a concordar. Uma vez eleitos, os que deveriam representar os eleitores cuidam de seus projetos pessoais de se prolongarem no poder. Pior ainda os que roubam – é verdade.
Eles brigam e a população está entregue à Covid. Quando acusados, declaram jamais terem se desviado dos ideais republicanos. Na Teoria do Estado, republicano é aquele que revela interesse pela coisa pública, pelo bem comum, sem preconceitos nem discriminações. Não é bem isto o que temos assistido. Quem é contra é comunista. Nem Marx o foi. O comunismo seria a fase superior e última do socialismo, jamais alcançada.
O meio político cria novos qualificativos, principalmente negativos, como o gabinete do ódio. Seria um bunker digital, no Palácio do Planalto, destinado a compartilhar mentiras e difamações contra adversários – ou aos que ousam contrariar seus propósitos. As informações falsas, divulgadas principalmente pelas redes sociais, são chamadas de fake news. O termo, em inglês, existe desde o final do século XIX, mas só foi popularizada com Donald Trump.
A arma de quem usa a rede com má fé, é a de descontextualizar declarações e de desqualificar adversários. Também revela táticas de difamar, desestabilizar discussões, desconstruir discursos, manipular fotos. Felizmente, os usuários da internet já estão aprendendo a não servirem de massa de manobra nessa guerra virtual. É importante que os leitores não compartilhem mentiras e difamações. Receber, passivamente, tudo o que vem, não condiz com a nossa capacidade de diferenciar memes de origem duvidosa e denúncias no WhatsApp, de reportagens investigativas bem apuradas.
O impulsionamento das fake news, à custa de dinheiro púbico ou privado, pode se configurar crime de injúria, difamação e calúnia. O direito de livre expressão, duramente conquistado, é assegurado pela Constituição. É vedada a censura, mas somos responsáveis por aquilo que dizemos ou divulgamos.
Nem tudo pode ser dito e nem sempre é censura. Imagine alguém se julgar no direito de gritar “Fogo” no circo lotado, invocando a livre expressão.