DELÍRIO EM LAS VEGAS
ZARCILLO BARBOSA
Aqui tudo é verdadeiramente falso. Inclusive a cidade localizada no meio do nada, no deserto de Nevada.
Em Las Vegas existem caça-níqueis até nas igrejas. O apelido de “Cidade do Pecado” é bem apropriado. As tentações são grandes. Por todos os lados, outdoors oferecem serviços de acompanhantes ou de clubes de cavalheiros.
É preciso tomar cuidado para não exagerar nas comemorações e acordar de ressaca e casado. Ao longo da Strip e em muitos hotéis, o que não faltam são capelas que oferecem cerimônias-relâmpago para os mais apressados. A mais famosa delas, a Little White Wedding Chapel, é o destino de muitos casais.
Os casamentos têm valor legal. Casou, casou. Se estavam bêbados, pouco importa. Aconteceu com a famosa Britney Spears que depois teve que indenizar o noivo para anular a brincadeira.
Agora, o prefeito quer mudar o código de conduta que sempre conceituou a cidade: “O que acontece em Vegas, fica em Vegas”. O novo slogan: “O que acontece aqui, só acontece aqui”. Em Medo e Delírio em Las Vegas, o criador do jornalismo gonzo Hunter S. Thompson escrevia que a cidade devorava seus náufragos tal qual um tubarão.
Saí da escada rolante e entrei no cassino Caesar´s Palace. Multidões enormes cercavam as mesas de dados. Quem são essas pessoas? E esses rostos! De onde saíram? Parecem caricaturas dos vendedores da Feira do Rolo. Mas são reais. Eles gritam sem parar ao redor da mesa de jogos às quatro e meia da manhã numa cidade no meio do deserto. Naquele cassino que cheira plástico, há ainda quem sonhe quebrar a banca e voltar para casa podre de rico.
Os hotéis oferecem de tudo para que o cliente não precise botar o pé na rua e seja escalpelado lá mesmo. As decorações e ambientações seguem os nomes que têm os hotéis, com até 5 mil apartamentos. Mandarim, Belaggio, Monte Carlo. Como os EUA não têm história antiga, eles reproduzem tudo o que existe de emblemático no mundo. Veneza foi copiada integralmente. Andando pela Strip você passa pela Torre Eiffel, Estátua da Liberdade. Tudo é falso embora eles digam que “nós lhe damos a reprodução, a fim de que lhes venha a vontade do original”.
Diante da Pietà, de Michelangelo, uma boa cópia em mármore, uma voz avisará que o pavimento sobre a qual ela se apoia é feito de pedras provenientes do Santo Sepulcro de Jerusalém – e, portanto mais verdadeira que a Pietà do Vaticano.
Há outras vantagens culturais em Las Vegas. A Vênus de Milo, por exemplo, já vem completa, com os braços, apoiada numa coluna jônica. A legenda explica que a Vênus de Milo foi trazida à vida como era na época em que posou para o desconhecido escultor na Grécia, aproximadamente duzentos anos antes de Cristo.
A grande novidade que encontrei, desta vez, foram os trinta e sete dispensários de cannabis. Isso mesmo. Maconha vendida em lojas que mais parecem aquelas drogarias americanas. Por dentro, tudo branco. As prateleiras exibem potinhos com tipos da ervas e derivados, como chocolate.
A balconista pergunta se o cliente é experiente ou novato. Ensinam sobre os efeitos e melhor forma de usar. A quantidade máxima é de 28 gramas (uma onça) e o preço varia de 15 a 40 dólares. Não se pode fumar no local, nem nas ruas parques e hotéis. Somente em casa. Quem for pego usando maconha em locais proibidos paga 500 dólares de multa.
A High Roller, a roda-gigante mais alta do mundo (parece que perdeu a primazia para Dubai), oferece passeios de meia-hora a 25 dólares. Se for à noite sai por 35. Com direito a furar a fila, 53 dólares.
Sento-me numa mesa de rua que imita o Trastevere, de Roma, para comer uma pizza. A rua não é rua. Tem um teto que é um simulacro do céu, de dia ou de noite, conforme mais inspire a clientela. A indústria do Falso Absoluto ousou ir além da cópia, para ser ainda melhor (KKKK). Volto exausto para o meu quarto no Excalibur. Burlei a minha própria epopeia.