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COM CERVEJA NÃO SE BRINCA

COM CERVEJA NÃO SE BRINCA


ZARCILLO BARBOSA
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Meu saudoso amigo Sampainho, que hoje navega no mar azul do firmamento, entre brahmas e brumas e antarcticas espumas, dizia que cerveja era para ser de-gus-ta-da.


A cada período sua preferência se modificava: Brahma, durante o dia, por ser mais leve, e Antarctica à noite, do tipo pilsen extra, que ele achava mais “encorpada”.


No inverno pedia München (saudade do trema), de coloração mais escura e um leve paladar de malte e café, como a produzida na Bavária. Na meia-estação misturava cerveja clara com a escura – “carioca”, como ele dizia.


E assim, o seu papo ia sendo regado, sem nunca atrapalhar os sentidos. O tempo era consumido com conversa inteligente, de preferência sobre a política local. Sabia quem ia ganhar. Tinha um ibope próprio. Viajava nos ônibus urbanos, sem destino, puxando prosa com o povo.


Havia toda uma liturgia antes das libações. O copo tinha que ser de parede fina e provido de pé, para melhor conservar a temperatura e a espuma.


Uma vez o garçom do que foi o G Petisco, na Batista de Carvalho, quis agradá-lo oferecendo uma taça bico-de-jaca colorida. “O senhor leve de volta e nunca mais a tire do lugar onde a encontrou” – mordeu.


Tinha razão o velho Sampa: como poder observar melhor a cor, o brilho e a magia da cerveja naquele copo grosso e azul? Sequer deixava que enxugasse os copos onde ia beber, para que não o impregnassem de fiapos e odores com o pano sujo. Detalhista, pregava que o copo para cerveja ou chope deve ser lavado com sapólio, para dissolver as gorduras e neutralizar o pH da acidez. Enjoado, o homem…


Dois dedos de colarinho eram fundamentais. Para consegui-lo, inclinava o copo e a garrafa a mais ou menos 45 graus e enchia só até a metade. Depois completava com o copo e a garrafa fazendo um ângulo de 90 graus.


Sampainho detestava bêbados. Ensinava aos poucos amigos com acesso a sua mesa, que a espuma deixa o sabor do lúpulo nos lábios e impede que as bolhas de oxigênio se desprendam na superfície.


O Sampa era mesmo incrível. Chegou a ser depositário da Brahma, mas nem por isso desprezava a concorrente. Antes, a disputa existia com a Antarctica. Depois é que juntaram tudo em nome da tal “sinergia”.


Hoje, nem teria mais graça a célebre piada do Vicente Matheus. Dizem que quando presidente do Corinthians, pediu umas Brahmas à Antarctica, para a torcida da fiel comemorar a vitória do Timão sobre o arquirrival Palmeiras.


Mal Sampainho poderia supor, que a Bramártica chegaria ao posto de maior cervejaria do mundo. Comprou a Skol, depois a Budweiser, ícone do american way of life. A Ambev é dona da Stella Artois, Corona, Beck´s, e o escambau.


Hoje, com tantas marcas de cerveja chamadas de artesanais, Sampainho deve estar irrequieto lá no “da Saudade”. Tem cerveja com coentro, mandioca, jabuticaba, guaraná e sei lá mais o quê. Que nos valha Santa Hildegarda, protetora da cerveja. Foi ela quem primeiro utilizou o lúpulo, aquele temperinho mágico, que nos garante o sabor da espuma amarguinha. Isso em 1.140 d.C. Cerveja já era bebida de mulher, também.


Se o Sampainho voltasse à terra, teria conversa para atravessar a noite, em goles bem pausados.  Sempre segurando o copo com o mindinho encavalado sobre o dedo da aliança.


Certa vez ele expulsou um menos amigo da mesa porque o sujeito teimava em associar cerveja com a formação da barriga: “Ô patrão, você come um prato de queijo, torresmo e salaminho e depois vem culpar a cerveja? ” – Indignou-se.


Zarcillo Barbosa é jornalista


proximarota
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