Brasil, samba e pandeiro
ZARCILLO BARBOSA
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No Carnaval, o povo deixa de ser objeto para se tornar sujeito da própria arte. Os brancos aplaudem sentados nas arquibancadas os protagonistas negros e mulatos. Intelectuais prestam vassalagem aos compositores de samba-enredo. “Conta como é a história e deixa comigo” – é o único pedido do crioulo compositor.
Atualmente, branco rico e turista que quiser desfilar tem que pagar caro por um lugar na passarela. Em Salvador, os abadás chegam a custar R$ 2.400 por uma noite, num dos camarotes VIP´s. O Afoxé Filhos de Gandhi cobra R$ 700 dos sócios pela camiseta azul e branca e o turbante.
Com tantos peitos siliconados, os turistas estrangeiros reclamam das bundas. Não entendem como foi possível às passistas mudarem o foco. Segundo eles, deixaram em segundo plano os traseiros seminus e bamboleantes. É só para olhar e admirar. Eles sabem que assédio dá cadeia.
Em Bauru, quiseram oficializar o Carnaval e o acabaram matando. Toda vez que o prefeito fala em dar um subsídio “contratual” às escolas, os “terrivelmente evangélicos” caem de pau. Com isso, em vez de “melhor Carnaval de Rua do interior” viramos a Capital do Retiro Espiritual. Hoje são nove Retiros contra quatro Escolas de Samba.
Cada escola de samba já teve o seu padrinho vereador ou deputado, até que os tempos bicudos impediram benesses populistas. O Sambódromo revive, depois de ano inteiro entregue ao abandono, quase tragado pelo mato, o crack e as erosões. Os prefeitos e os políticos quiseram ajudar. Transformar a manifestação popular numa coisa “distinta”, colorida e televisiva. Acabaram foi por inibir a capacidade de organização popular espontânea. A Justiça também não ajuda. Bloqueou a verba de ajuda às agremiações, “por falta de licitação”. Se todas as quatro Escolas são contratadas, não há como competir.
Os modernistas de 1922 achavam que o Carnaval tinha um sentido de desabafo do povo. Uma forma de resistência “antropofágica” às imposições. Uma espécie de liquidificador capaz de transformar tudo em loucura carnavalesca. Esse conceito foi muito bem exemplificado na célebre frase de Oswald de Andrade: “Nunca fomos catequisados. Fizemos Carnaval”.
Agora, com 12 milhões de desempregados, sem abadá ou uma conga para arrastar no asfalto, vai ser difícil ser protagonista no Carnaval. Os sambas-enredos das escolas cariocas criticam os políticos e este país das fake news. Nada tão ofensivo, porque é preciso respeito com os homens do Poder.
Quando D. Pedro II contratou o arquiteto Grandjean de Montigny para remodelar o Rio de Janeiro, o francês, simplesmente, mandou derrubar todos os barracos para abrir a Avenida Central (hoje Rio Branco). Nem ao menos se preocupou em indenizar ou conseguir novas moradias para os desalojados. “O povo que se dane. A estética é essencial”. Quando quis ver o Entrudo de perto e saiu às ruas misturando-se ao populacho, levou um balde d’água na cabeça que o deixou encharcado. O ilustre Montigny, duas semanas depois, aos 74 anos, morria de pneumonia. Os pobres estavam vingados.
Imagine a reação das empregadas domésticas se o Paulo Guedes ousasse aparecer na passarela. O sonho de conhecer Mickey Mouse e fazer uma “farra danada” na Disneylândia, fica cada vez mais distante, com esse dólar nas alturas.
Em 1940, Assis Valente compôs “Brasil Pandeiro”, e dizia que “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”.
Ary Barroso, em “Aquarela do Brasil”, cantava o coqueiro que dá coco, a morena sestrosa, a merencória luz da lua e o mulato inzoneiro deste Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro. Mesmo sem saber muito bem o que tudo isso significa, percebe-se na letra os exageros ufanistas.
Moacir Puga
?? É isso aí ZB, matou a pau.
proximarota
Grato pela leitura, Moacir!
Eduardo Nassarala
Mais uma sensivel e deliciosa cronica, ZB. Parabens….
proximarota
Grato pela leitura, Eduardo!