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ANTÔNIO MARIA

ANTÔNIO MARIA


ZARCILLO BARBOSA
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Sempre gostei do gênero crônica, justamente pela falta de compromisso. Machado de Assis dizia que o cronista é um beija-flor, até autorizado a meter o bico em flores alheias.


O cronista vai emendando palavras. O texto, uma vez lido, nos dá a sensação da estação depois que o trem passou. Não serve mais para nada. Pero Vaz de Caminha escandalizava quando escreveu a El-Rei dizendo que andavam todos nus os habitantes da terra achada por Cabral. Hoje, nem precisa ser índio, ou índia, para andar pelado no Carnaval. O máximo de cuidado é o de cobrir suas vergonhas com fita isolante.


Um dos mais talentosos cronistas que Brasil já produziu foi Antônio Maria. Para ele, seus textos eram como cubos de gelo postos na frigideira: viravam vapor em segundos. Pernambucano do Recife. Viveu no Rio. Casou-se com Danusa Leão, então uma beldade culta e rebelde. Tinha um charme que encantava a todos, justamente pelo seu lado irresponsável e bonachão.


Aracy de Almeida foi uma de suas grandes amigas. Sabia tudo sobre Antônio Maria e, mesmo assim, como dizia brincando, continuava a gostar dele. Era desprovido de qualquer cerimônia. Uma vez pediu a ela ajuda para colocar um supositório – “Já tentei todas as posições e não consegui nada”.


Nos anos 1950 Antônio Maria compôs um samba-canção que ficou famoso no vozeirão de Nora Ney. Dizia assim: “Dorme menino grande, que eu estou perto de ti/ Sonha o que bem quiseres/ Que eu não sairei daqui…”


Teve uma outra canção que dizia: “Ninguém me ama, ninguém me quer/ ninguém me chama, de meu amor. ” Quem ainda está vivo (obviamente) reconhece com facilidade.


Conheci-o no Rio de Janeiro, apresentado por um amigo que era seu psicanalista. Foi pouco antes dele morrer, aos 43 anos, por “cardisplicência”. Perguntei como conseguia tanta inspiração. Respondeu-me que era inspirado pelo mundo. “É só observar o que nos rodeia: mulheres, gente do povo, a natureza”.


Para quem vivia no Rio nos anos dourados, sem violência, a inspiração era bem mais fácil. Tanto é que os maiores cronistas brasileiros como Rubem Braga, Fenando Sabino, o próprio Maria, Paulo Mendes de Campos, Henrique Pongetti e outros, viviam no Rio, com Copacabana aos seus pés e o Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara.


Contava Carlos Heitor Cony – outro grande cronista carioca, hoje no céu “- Um dia Maria me telefonou”:


“- Carlos Heitor, Carlos Heitor, você nunca me enganou…” Disse então que viajando de Recife para o Rio, viu no avião uma mulher linda lendo o livro “Matéria de Memória”, de Cony. Aproximou-se, se apresentou como autor do livro, e a mulher, uma típica apaixonada, acreditou. Pintou para ela um quadro dramático: que era um desgraçado, que nunca tinha sucesso, que as mulheres o abandonavam”.


“- Mas, Maria…” era tudo o que o espantado Cony conseguia dizer.


“- Fica tranquilo porque em seguida ao desembarque no Galeão nós fomos para a cama. Ou melhor, você foi para a cama”.

 
E Cony, curioso: “- E aí? ”


“- E aí foi o problema” – gargalhava Antonio Maria.


“- E aí você broxou, Cony, você broxou!”



Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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