ABUSO SEXUAL DE MENORES
ZARCILLO BARBOSA
Na semana que passou, o Brasil todo se horrorizou com as brutalidades sexuais sofridas pela menina de São Mateus, no Espírito Santo. Negra, de família pobre, criada pelos avós, ela padeceu sob o jugo do tio que a violentava sob ameaça. A barbárie se estendeu dos 6 aos 10 anos de idade. Só foi descoberta quando ela engravidou.
Quando tudo fazia crer que o seu martírio chegaria ao fim, aconteceram mais violências por parte de extremistas religiosos e de ultraconservadores políticos. À porta do hospital, ativistas chamavam a menina de dez anos de “assassina”, porque concordara em interromper a gravidez, permitida por lei em caso de estupro. A garota teve que ser transportada para Recife para ter a gestação interrompida.
Apesar da farta legislação, do Estatuto da Criança e da Adolescência, neste país os menores são submetidos à miopia do ambiente familiar desestruturado, e à cegueira do agente público que não cuida do que deveria. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, dirigido pela pastora Damares Alves, prioriza convicções religiosas e interesses políticos, em detrimento das urgências da saúde pública de um Estado laico.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, nasceram no Brasil, em 2018, 21 mil bebês de mães de menos de 15 anos. Quatro meninas dessa faixa etária são estupradas, por hora, no país. Na maior parte das vezes, as violências sexuais contra menores ocorrem dentro de casa, por parte do pai, tio, padrasto, avô, primo, amigo da família. A gravidez precoce, quando não mata mães e bebês, interrompe a formação escolar e compromete o futuro de adolescentes.
A ministra Damares Alves, chegou a declarar que “o abuso é prazeroso para a criança, porque o pedófilo sabe como tocar e onde tocar”. Em outra ocasião, Damares anunciou a descoberta de um fator desencadeante do abuso sexual de meninas – “a falta de calcinhas”. Chegou a pedir doações à instalação de uma fábrica de calcinhas na Ilha do Marajó, campo das suas observações.
Todas as pessoas gostam de carinho, principalmente crianças, que não têm como imaginar a intenção de ordem sexual do abusador. A correspondência afetiva e até a excitação e o orgasmo, não podem ser chamadas de prazer sexual, pois furto de estimulação mecânica. Tais ocorrências não podem ser atribuídas à vítima como prova de conivência ou de concordância. Ao contrário, quando tal ocorre o grau de perturbação é ainda maior. Ela considera-se traída não só pelo abusador, mas também por seu próprio corpo. O abusador passa a cobrar o silêncio e a cumplicidade da vítima, sob ameaças.
A denúncia é muito difícil, pois o crime não é praticado com o uso de violência, e, quando a vítima dá conta de que se trata de uma prática erótica, simplesmente o crime já se consumou.
Há uma enorme dificuldade de emprestar credibilidade à palavra da vítima. Quando são crianças, costuma-se pensar que elas usam a imaginação ou que foram induzidas a mentir. Quando são adolescentes, acredita-se que elas provocaram o abusador, seduziram-no, insinuaram-se a ele, justificando, assim, a prática do delito.
O abuso sexual contra crianças é um assunto tabu no Brasil. É como se não existisse. Há reações contra a educação sexual nas escolas. Informações nas escolas sobre o funcionamento do aparelho reprodutor e os métodos contraceptivos, são consideradas constrangedoras, pelos próprios pais.
Enquanto a sociedade não acreditar que existe abuso sexual intrafamiliar, não vai sequer enxergar o que, muitas vezes, está na sua frente. Sem informação, a professora não vai perceber o que está retratado num desenho, nem a mãe vai dar importância a uma lágrima.

Maurício Moura
Parabéns pelo texto, Zarcilo.
proximarota
Obrigado pelo prestígio, Maurício!
ZB.
Zuleika Lemos Gonsalves
Repudio os ignorantes religiosos que acusam os inocentes e fogem da realidade. E nós, pouco fazemos diante dos fatos. Nossa exigência deveria ser firme e forte na punição dos culpados. Preservar com segurança a infância das nossas crianças, garantindo os seus sonhos, deveria ser prioridade do ser humano.
proximarota
É isso, Zuleika.
ZB.