A POLITIZAÇÃO DA DESGRAÇA
ZARCILLO BARBOSA
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O que há de novo, hoje, é a ausência de futuro. O que nos domina é o medo diante da possibilidade real de sermos afetados por um mal real, para o qual não estávamos preparados.
Convivíamos com pequenos medos, como a da possibilidade de repetição de Chernobyl ou de um 11 de setembro, e o que surge é um vírus.
As nações mais adiantadas gastam trilhões de dólares na indústria armamentista e no desenvolvimento tecnológico, e o inimigo se apresenta na forma de um nano corpúsculo. Se o mundo tivesse convergido tamanho esforço de recursos econômicos em pesquisas científicas, muitas doenças hoje sem cura, teriam antídotos. Certamente, estaríamos mais preparados para evitar essa pandemia.
Agora, o único remédio conhecido contra a disseminação rápida do vírus, é a do isolamento social, com os seus efeitos desastrosos na economia mundial. A queda vertical do consumo, devido ao desaparecimento do consumidor das ruas, e o fechamento de fábricas, sem operários, fazem uma combinação com grande efeito destrutivo.
Dar suporte as empresas para que evitem demitir, e lançar ou reforçar redes de amparo social para os menos favorecidos, são aspectos de um conjunto de medidas já adotadas na maioria dos países. Estamos atrasados, no Brasil, dependendo de novas ações do governo brasileiro para transferir renda. Falta-nos até logística para distribuir dinheiro.
Enquanto isso, o presidente Bolsonaro, a quem competiria liderar todo o processo de minorar os efeitos do desastre, na contramão do mundo propõe a retomada da rotina. Considerou, por decreto, as lotéricas e as igrejas como “serviços essenciais” durante a quarentena. Chamou a pandemia de “gripezinha”, justificando com a alta resistência do brasileiro “que pula no esgoto e não acontece nada”. Ele mesmo acredita estar imune, com o seu corpo de atleta. A última foi pôr em dúvida o número de infectados e mortos. Acha que os números estão “superdimensionados”, apesar de serem do próprio Ministério da Saúde.
Após 5.402 mortes, o prefeito de Milão admitiu o erro de ter apoiado a campanha para não parar o trabalho. Bolsonaro ameaça com uma campanha nacional – “O Brasil não pode parar”. A Itália, que não queria parar, conta hoje mil mortos por dia.
É evidente que Bolsonaro não está sozinho nessa sua pregação, que pode parecer “suicida” como a de verticalizar o isolamento da população, protegendo somente os vulneráveis.
Setores das Forças Armadas chegaram a assimilar parte das suas ideias, mas não gostaram da pouca seriedade dada à exposição da tese. O presidente quer agradar empresários. Arruma uma saída para ficar mais bonito na fita, depois que tudo passar (Eu não falei? Não quiseram me ouvir…). Procurou imitar Trump que chegou a defender o retorno da população ao trabalho, mas o presidente dos EUA recuou em seguida. Ao contrário, mandou um pacote de US$ 2 trilhões ao Congresso para apoiar empresas e também a população. Mais que o PIB brasileiro.
Embora as chances de impeachment ou renúncia de Bolsonaro sejam remotíssimas, a crise sanitária agravada já provoca apoios ao general Hamilton Mourão (PRTB), vice-presidente e, na observação do próprio presidente, o único do governo que, por ser eleito, é indemissível. “Então, pode ficar à vontade”.
O comandante do Exército general Edson Leal Pujol, mesmo fora desse contexto considera que “combater o Covid-19 é talvez a missão mais importante da nossa geração”.
Choca observar que num momento de angústia nacional pretenda-se politizar o drama de um país entre a vida e a morte, para pensar na reeleição.
Hegel dizia que “As grandes catástrofes produzem pureza, elas nos dizem o que é importante e o que é passageiro”. Ainda guardamos esperança. O que não sabemos é quanto tempo a nossa força vai durar.
Moacir Puga
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