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REALIDADE FISCAL COM HABILIDADE POLÍTICA

REALIDADE FISCAL COM HABILIDADE POLÍTICA

ZARCILLO BARBOSA


O liberalismo não é dogmático. Sabe que a realidade é complexa e que muitas vezes a ideia e os programas políticos devem se adaptar à economia, e vice-versa.


O liberalismo e o conservadorismo são coisas diferentes. Aquele admite mudanças, é doutrinário, e os conservadores são refratários a mudanças ou sectários. Certos economistas são enfeitiçados pelo livre mercado como panaceia capaz de resolver todos os problemas sociais.


Convém lembrar que Adam Smith (1723-90), pai do liberalismo, tolerava que fossem mantidos temporariamente alguns privilégios, como subsídios e controles, quando os suprimir podia causar mais males do que benefícios.


Um governo liberal deve enfrentar a realidade social e histórica de maneira flexível, sob pena de provocar fracassos e frustrações – ensinava o filósofo liberal Ortega y Gasset.  


Sob esse aspecto, no embate em torno do Renda Brasil, leva vantagem o presidente Jair Bolsonaro sobre o ministro “ultraliberal” Paulo Guedes. Para financiar milhões de desempregados, sem nenhum tipo de renda, a equipe do responsável pela pasta da Economia propôs a extinção do abono salarial (espécie de 14º salário para quem ganha até dois salários mínimos), o Farmácia Popular, seguro desemprego para pescadores em época de piracema, o chamado “defeso”, e o salário-família.


Bolsonaro estrilou, dizendo que não “tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. O mercado chegou a temer pela queda do ministro, reagindo negativamente.  Para quem tem o que perder, o zelo pelas contas públicas é essencial. Mas o interesse social esbarra nas pretensões, legítimas, de se reeleger.


Sem cortar despesas não dá para expandir o Bolsa Família, mesmo mudando de nome para Renda Brasil. Será preciso atender 66 milhões de pessoas que recebem o auxílio emergencial, mas de forma duradoura. E, ao mesmo tempo, manter o tal “teto de gastos públicos” – compromisso assumido pelo próprio Bolsonaro e que é exigido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Por muito menos Dilma foi cassada. A “pedalada” agora atende pelo nome de “furo do teto”.


A solução para criar espaço orçamentário – para qualquer coisa, não só para o Renda Brasil – é conhecida: promover reformas que reduzam os gastos obrigatórios. É o caso da reforma administrativa, medida urgente cujo impacto no Orçamento seria imenso ao longo de um bom tempo. Bastaria economizar uns 3% do que o Estado gasta com o funcionalismo para, somando aos recursos já gastos no Bolsa Família, financiar um Renda Brasil na faixa de R$ 250. Bolsonaro acha que poderia ser um pouco mais, talvez R$ 300. Outras fontes de financiamento poderiam envolver o fim de isenções tributárias e privatizações.


O Estado brasileiro gasta quase um Bolsa Família para cobrir o buraco de empresas públicas deficitárias  sem interesse estratégico. A venda de estatais também traria uma contribuição bem-vinda ao caixa, no meio do sufoco fiscal.


Cada uma dessas medidas representa desafio. Exige capacidade de negociação e articulação política, ingredientes em falta no governo Bolsonaro.


O que não dá para aceitar é que o liberalismo faça mágicas tirando coelhos de uma cartola imaginária. “Ninguém almoça de graça” – diz o clichê de Milton Friedman, outro chicagoano da economia.


A alternativa mais sensata, uma vez que algum desafio político Bolsonaro terá de enfrentar, é encarar com seriedade os projetos das reformas administrativa e tributária e as privatizações.

Zarcillo Barbosa é jornalista
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