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QUEM TEM MEDO DO VÍRUS?

QUEM TEM MEDO DO VÍRUS?

ZARCILLO BARBOSA


É possível criar vacinas contra o vírus, mas contra nós, só nós mesmos.


Morrer é sem dúvida, normal. Todos nós morreremos um dia. O anormal – esse é o ponto – é não evitar a morte, quando se pode.


Um inimigo invisível e mortal deixou o mundo mais dependente do que nunca da ciência, da pesquisa, da responsabilidade, da solidariedade, do amparo estatal, da informação, do jornalismo. Mas, milhares ainda parecem não acreditar. Continuam se expondo em festas clandestinas, resistem às recomendações de distanciamento social, andam sem máscaras.


Setores da esquerda culparam a austeridade e a falta de investimentos no setor público, enquanto a direita responsabilizava os chineses pela situação. Trezentos mil cadáveres depois, nem isso é mais possível.


Ao longo da história a humanidade lidou com as catástrofes com raciocínios metafísicos. Antes apontavam para Deus e as forças sobrenaturais. Após o Iluminismo, passamos a culpar a natureza. Agora, buscamos culpados nos seres humanos. Teorias conspiratórias veem significados por trás de desastres e raramente são percebidos como acidentes. Quem diz que isolamento social de nada adianta e boicota as vacinas, é um “acidente” na política de Estado. Uma excrescência do sistema.


Na Ásia, com a tradição confucionista, a população obedece ao Estado e o coletivo se sobrepõe ao indivíduo. Talvez, por isso, eles estejam se dando melhor na pandemia. Ou menos pior.


O geógrafo marxista britânico David Harvey, para desespero dos utopistas que ainda acreditam na ditadura do proletariado, foi taxativo ao assegurar que o vírus não vencerá o capitalismo. A explicação é singela: “Ao nos isolarmos deixamos de gerar sentimentos coletivos e a revolução fica impossível, por falta de mobilização”.


Ninguém sai às ruas para reclamar de Bolsonaro ou da Suprema Corte. Nem contra o desemprego e a fome, muito piores. Todos, em suas casas, o máximo que fazem é bater panelas junto a janela aberta.


O país bate recordes diários de mortes por Covid-19. A média móvel, no final de semana estava em 2.400 óbitos em 24 horas. No mesmo jornal com essa notícia, a foto da fila de carros parados na barreira sanitária no caminho da praia, para aproveitar o megaferiado.


Vale a aglomeração quando o objetivo é o lazer.


A polícia dá duro, todas as noites, para dispersar as festas clandestinas com helicópteros e drones usados na vigilância.


No meu tempo, as mães recomendavam aos seus rebentos para tomar cuidado, voltar cedo para casa e não esquecer de levar a japona.


Em nossos dias é vergonhoso sentir medo. A ideia é que isso é coisa de covardes, dos fracos, dos “maricas”. Até a Revolução Francesa, sentir medo era uma indignidade. Um assunto que Montaigne dizia ser próprio das pessoas humildes e ignorantes, ou uma fraqueza que não correspondia à classe dos heróis e cavalheiros.


Parece que os jovens querem aproveitar os últimos dias que restam, antes de serem apanhados pelo “bichinho”.


Quando todos estiverem vacinados e a pandemia acabar, qual vai ser a principal lição aprendida pela humanidade?


A esperança é que, depois dessa pandemia tenhamos aprendido mais do que lavar as mãos. O mundo será o que fizermos dele. Maravilhoso, quem sabe. Depende de nós.




Zarcillo Barbosa é jornalista
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