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O Ó DO BOROGODÓ

O Ó DO BOROGODÓ


ZARCILLO BARBOSA



O Brasil é um país imprevisível. As instituições pouco se entendem e há uma surpresa no cenário político, pelo menos uma vez por semana. Os mercados de risco seguem pressionados sem que os analistas possam planejar mesmo os investimentos de curto prazo. Os rumos da economia são sempre indefinidos.


No tempo em que os juros balizados pela Selic eram altos, ainda compensava submeter o capital a riscos maiores. Com as taxas nos patamares mais baixos da história, os grandes investidores deram no pé. Faz tempo.


“No Brasil, até o passado é incerto” – disse Pedro Malan, quando ministro da Fazenda de FHC. Se naquele tempo já era assim, hoje é muito pior porque a incerteza quando ao passado não é só na área da economia. Contamina, também, aquelas decisões da Justiça que já eram consideradas tollitur quaestio, ou seja, uma questão acabada, da qual não se fala mais.


Para quem entendeu bem o “Ó do borogodó” do ministro Gilmar Mendes, faltou isenção ao juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. O então magistrado curitibano teria cortado caminho para chegar mais rapidamente aos resultados que desejava: condenar o ex-presidente Lula – e, assim, impedir sua candidatura a presidente da República nas eleições de 2018. Ó do borogodó é gíria do morro. Pode ser usada em contextos negativos e positivos. Significaria “irresistível”, como alguém que se julgasse “a última bolacha do pacote”.


Antes disso, outro ministro da Suprema Corte, Edson Fachin, anulou em decisão monocrática, as condenações de Lula, retornando a ele o direito de disputar eleições. Considerou as ações do tríplex do Guarujá, do sítio e Atibaia e do Instituto Lula sem relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitadas na Justiça Federal do Paraná. Os processos devem começar do zero, na Justiça do Distrito Federal. Provavelmente, cairão na prescrição dada a idade do réu.


É a “maldição da Rainha de Copas”, que mais uma vez se manifesta no Brasil. Em “Alice Através do Espelho”, o clássico de Lewis Carrol, a heroína se espanta de correr, correr e ficar no mesmo lugar. “Na nossa terra”, disse Alice bufando, “a gente geralmente chega a algum lugar quando corre muito”. A Rainha de Copas: “Aqui não. Aqui é preciso correr muito apenas para ficar o mesmo lugar”.


Se estamos longe de ser um país das maravilhas, pelo que todos percebem, continuamos parados no mesmo lugar. A pandemia mortal, tratada como uma “gripezinha”, ainda está à espera de uma vacinação em massa após os remédios alternativos terem fracassado, como era esperado. Há um abismo fiscal pela frente e uma eleição presidencial em 2022, na qual os eleitores vão ter que escolher entre Bolsonaro e Lula.


Há gerações corremos e bufamos para ficar no mesmo lugar na escalada civilizatória das ações democráticas.


Há prevalecer o entendimento da incompetência do Juízo de Curitiba para julgar Lula e, o que é bem pior, as práticas consideradas ilegais da Operação Lava Jato, voltaremos à estaca zero na corrida de seis anos para condenação de 159 réus a penas somadas de 2.294 anos.


Tudo será anulado porque a força-tarefa da Lava Jato cometeu “abusos, excessos” e “constrangimento ilegal”. As práticas criminosas são reforçadas por mensagens hackeadas das conversas entre procuradores federais e o juiz Moro.


Os advogados dos demais réus devem ir em romaria ao STF na tentativa de obter para os seus clientes os mesmos benefícios. Haverá uma anistia coletiva? As empreiteiras que quebraram sob o peso de multas e acordos de leniência terão que ser ressarcidas? O Tesouro Nacional será obrigado a recolocar nas contas dos condenados na Suíça os bilhões que a Lava Jato os obrigou a devolver?


Ninguém sabe. O passado não vale nada nesse país. O presente está congelado e o futuro pertence a Deus.

Zarcillo Barbosa é jornalista
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