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O fim das “coelhinhas”

O fim das “coelhinhas”



ZARCILLO BARBOSA
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Da primeira namorada a gente nunca esquece.

A minha primeira namorada tinha uma aparência de coelhinha. Era “dentucinha”, para ser menos romântico na descrição.

Seus incisivos centrais projetados encobriam parte do lábio inferior. A garota parecia ter saído da tela do cinema em dia de matinê com desenho animado. Aquilo, para mim, era um charme.

Hoje, a geração Pernalonga está em fase de extinção face às modernidades da Odontologia. Acho horrível essa moda de encher de arames os dentes das moças. Parece até que as meninas fazem questão de exibir aquela cadeia de botões.

Há quem os prefira coloridos. O sorriso vira um circo. Perde a naturalidade e o ar angelical.

Os dentes freados simbolizam uma nova geração. São símbolos de status social, apesar de deformarem aparências. Os ortodontistas, como são chamados, cobram uma nota preta para corrigir os defeitos dos dentes. Alguns tratamentos duram meses e até anos, com pagamentos mensais baseados no valor do salário mínimo.

Nada contra. Os ortodontistas estão ganhando o pão, a manteiga e o caviar honestamente.

Em casa, ninguém precisou disso até que a filha mais nova também resolveu aderir. Eu nem tinha notado defeito algum. Um dia ela chegou com o diagnóstico do dentista, cheio de advertências sobre a necessidade de prevenir para evitar males piores no futuro.

Que fazer… Nem Lula, nem Dilma, muito menos Bolsonaro pensaram numa bolsa-dentucinha. Dilma até poderia ser forte candidata a uma intervenção desse tipo.

Neste país de desdentados, pelo jeito, muitos governos vão passar até que se decida dar direito a todos a sorrisos de dentes perfeitamente alinhados. Temos de dar conta de milhões de 1001 das periferias: aqueles aos quais os caninos teimam em delimitar o espaço vazio da arcada dental superior.

Lamento essa estandardização da mulher. Todas com dentes iguais, bundas-padrão, seios siliconados, coxas malhadas e grossas. Lábios com recheios artificias para imitar Angelina Jolie com sua boca carnuda, afro-sensual.  Antes assim do que o lado oposto, o lado trágico. Moças anoréxicas desfilam nas passarelas sem ter o que bambolear da estreita cintura para baixo; omoplatas que parecem ranger a cada movimento pelo atrito osso-com-osso; as clavículas cheias de desvãos e pontas ameaçadora sob a pele; o fino pescoço. Um horror.

Reparem os cabelos, por exemplo: onde andam os caracóis, as belezas dolicocéfalas, os lindos black-powers da negritude assumida? Está tudo dominado. A chapinha surgiu como um deboche. Cabelos escorridos,  esticadinhos.

Mas, o que me entristece, chateia e me deixa saudosista ao mesmo tempo é que estão acabando com as coelhinhas. Uma tragédia da vida moderna. Saudades dos beijos dente-a-dente e dos dengos orais da língua entre incisivos. Oh tempora, oh mores!



Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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