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CIDADE CIVILIZADA TEM CALÇADA

CIDADE CIVILIZADA TEM CALÇADA


ZARCILLO BARBOSA


Estamos há quatro meses em isolamento, ou distanciamento social. Com as academias de ginástica e piscinas fechadas, quem está no grupo de risco começa a perder massa muscular por falta de exercícios.


A solução que encontro é fazer caminhadas pelas ruas do meu bairro, de máscara e com todos os cuidados assépticos para não contrair o vírus.


A experiência mais desagradável nessa prática tem sido a de constatar o estado lastimável das nossas calçadas. Os prefeitos privilegiam as ruas, se vangloriam de pavimentar milhares de metros quadrados e, nenhum deles se importa com as calçadas. Corre-se o risco de quebrar a perna nos pisos esburacados e irregulares.


Antigamente o passeio era para “passear”. Agora serve como extensão da residência. Cada morador usa esse espaço ao seu prazer. Constroem-se rampas com os ângulos mais absurdos para dar aceso do carro à garagem. Escolhem-se os tipos de piso, cada um ao seu gosto, de modo a fazer dessas áreas públicas uma colcha de retalhos intransitável, fora os altos e baixos.


Os ladrilhos são até bonitos, mas são feitos para combinar com o muro ou dar a impressão que a casa se estende pelas suas calçadas. O mato cresce à vontade nos desvãos. A cada três meses minha esposa liga para a Ouvidoria da Prefeitura para que o proprietário do posto de serviço, em frente de casa, seja notificado pela fiscalização. Enquanto não periga doer no bolso o dono não se mexe.


Lei até que existe. Aqui em Bauru, no ano passado o prefeito sancionou regramentos para disciplinar construção e uso das calçadas. São 70 artigos. Mas ainda não “pegou”. E daí?


Bons tempos em que as cidades eram conhecidas pelas suas calçadas. As moças faziam footing na Rua Batista e na 1° de Agosto para flertar e conseguir namorados. As famílias aproveitavam o fim de tarde para ver vitrinas e flanar por uma superfície segura, onde as crianças podiam brincar.


Paris ficou famosa pelas suas calçadas, muito antes das luzes reverberantes. Desde o século 19, e ainda hoje com as ondas de turistas em tempos normais, existe a figura do “flâneur”. A daquele cidadão que anda sem destino, apenas para ver pessoas, paisagens e meditar sobre a vida. Vantagens de se viver numa cidade civilizada.


A literatura especializada sobre as cidades está cheia de elogios aos passeios que ocupam lugar de honra na consolidação da urbe. É nesse espaço que se realiza o destino urbano. Mas é uma ideia que resiste em “colar” no imaginário nacional.


Temos uma relação obtusa com o espaço público. A questão é cultural.


Mesmo com o isolamento obrigado por estes tempos pandêmicos, as ruas estão com trânsito pesado. O transporte público é precário. Com poucos ônibus para compensar a queda no número de passageiros, os que precisam sair de casa para ganhar o pão se submetem ao perigo do contagio. Os usuários se aglomeram nos pontos e nos carros coletivos.


Se o pedestre fosse mais valorizado…


Os gestores públicos só pensam naquilo: asfalto e radares. Acham que a isso se resume a cidade.

Zarcillo Barbosa é jornalista
proximarota
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